Subscrevera
a Câmara Municipal, com o donati vo de
100 contos de réis, a colecta que, de pronto, a Nação
Portuguesa lançara, a fim de se pagarem os navios em construção , por imperativo nacional, para lutar contra os
Ingleses, que, pelo Ultimato, nos haviam espoliado do território do mapa
cor-de-rosa, entre Angola e Moçambique. Pois acontec eu
que o Município lisboeta foi engonhando, engonhando e resistia a pagar os 3.634$00
réis em falta. Aliás, quando lhe foi remetido o quarto ofício a solicitar o
ressarcimento da dívida, «a Câmara, em vez de responder, resolveu solenemente,
em sessão, mandar queimar o documento da comissão executiva da subscrição nacional e consignar essa resolução em acta» (p. 82).
Imagina-se
o sururu que isso levantou. Aliás, no decorrer da audiência, o Dr. Leão d’Oliveira
não hesitou em responder ao juiz:
«A
Câmara podia e devia pagar, pois tem sempre ostentado riqueza por toda a parte,
indo às festas henriquinas, dando lautos banquetes, gastando inutilmente à
larga quantias que davam para cobrir aquela dívida» (p. 87).
O
certo é que o poder político conseguiu o que pretendia («O governo quer dependente
do executivo o poder judicial», escreve-se na p. 97) e Faustino da Fonseca cumpriu
na cadeia do Limoeiro «três meses de prisão correccional, desde 7 de Agosto a 6
de Novembro» de 1896, com apenas 25 anos de idade.
Um eloquente documento
O interesse do
livro não reside somente no facto de miudamente nos relatar a história do
processo com tudo o que ele envolveu como testemunho das dificuldades por que
passava a Imprensa livre, quando decidia criticar instituições que se criam e
queriam impolutas; é que, até para ocupar os tempos livres, o prisioneiro aproveitou
o ensejo para nos fornecer um relato vivido do mundo das prisões nessa segunda metade
do século XIX. Um testemunho rigoroso a ter em conta para a história política,
económica e social desse período, inclusive por não se ter coibido de relatar
casos conhecidos, dando os nomes dos personagens com eles relacionados.
Não
se ousará afirmar que, mais de um século passado, o panorama poderá não ter
mudado muito. Exagero seria, naturalmente. Há, porém, uma passagem que não
resisto a transcrever:
«O
velho criminoso é mais considerado pela população
das cadeias do que o gatuno novato e inexperiente.
Contam-se
as grandes façanhas do crime, descrevem-se os roubos, narram-se os assaltos,
pormenorizam-se as burlas, apontam-se as hábeis escamoteações com o orgulho com
que o militar fala das acções guerreiras em que se cobriu de glória».
Para
concluir:
«O
Limoeiro é uma verdadeira universidade do crime» (p. 36).
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 239, 2018-06-20, p. 6.
Paula Caetano
ResponderEliminarEsta história assenta que nem uma luva na realidade que estou a viver de momento! A mim não me mandam prender porque não podem, no entanto vão me fazendo autos de fé!