– Ó Maria,
despacha-te! Que andas tu praí a besoirar?
E o Joaquim
voltou-se para a vizinha:
– É sempre
assim: quando temos pressa, põe-se a encanar a perna a uma arrã e depois ainda é
capaz de cantar de galo, porque eu me esquecera disto ou daquilo.
Conversas
de antigamente que nem o Partido dos Animais e da Natureza sabe fazer
ressuscitar. Do tempo em que mui saudavelmente se convivia com a Natureza e se
tinha criação!… Até essa frase «ter criação» não é entendida agora à primeira.
Que é lá isso de ter uma capoeira ao pé ou uma coelheira? Chegava-nos a casa
uns primos sem aviso prévio? Sem problema: vai-se à coelheira, mata-se um coelhinho
e está o almoço feito!
Besoirar. É
um bichão de cores vivas, anuncia-se com um zumbido forte, bate as asas em
frenesim. Mal poisa numa flor, ei-lo que salta para outra. E depois para outra.
Será que conseguiu algum pólen de jeito ou foi só para se armar e marcar
território?
Encanar a
perna a uma arrã. Tarefa que não vale a pena. O melhor mesmo é, se for
gordinha, perder o amor à Natureza e prepará-la para o petisco. Coxinhas de rã?
– Apreciam-se! ¿Quem
poderia ter a veleidade e, sobretudo, a paciência de, um dia, tentar concertar
com palas ou caninhas finas a perna duma arrã? Operação longa, longa de mais –
e de nulo efeito, decerto.
O besoirar,
esse, é mais do nosso quotidiano, mormente o dos anciãos: pegas agora numa
coisa, lembras-te doutra e não acabas a primeira; de seguida, olhas para uma
terceira e dás-lhe seguimento… No fim da jornada, ainda a primeira se não
acabou… Um dia de… besoiro!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 822, 15-05-2022,
p. 12.
Que maravilha de texto...Pequenino, mas tão cheio de memórias. Porque eu (agora vou bichanar uma expressão dos menos jovens) ainda sou do tempo em que ouvia estas expressões e felizmente também sou do tempo de agora...E não há dia que não ouça "besoirar", ou que não me canse com gente por aí a "cantar de galo"....Agora, pernas de rã é que não! Já vi uma cena deplorável em férias e fiquei arrepiada. Muito grata pela lembrança destas expressões populares tão nossas que, não sendo recentes, ainda se usam tantas vezes. Um grande abraço.
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