Acabo
de receber mais uma mensagem ternurenta, de uma amiga do peito:
«E retribuo o
voto de bom fim-de-semana, com aquele abraço do costume 🤗😘💗».
Toda
a ternurinha plasmada em três emojis…
Consultando o Google,
a propósito de ‘emojis’, encontramos, porventura de imediato, a simpatia da
jornalista brasileira Taysa Coelho a explicar:
«Emojis e
emoticons são representações gráficas usadas em conversas online, nas
redes sociais e em aplicativos como o WhatsApp. Além de adicionarem
significado e emoção às nossas palavras, podem substituir efetivamente
mensagens curtas».
«Devido ao
grande número de ícones», conclui, «pode ficar difícil encontrar o correto para
se usar em cada situação. Ou, então, entender os duplos sentidos que acabam
surgindo para alguns deles».
Disponibilizou-se,
por isso, a reunir numa lista «os significados dos emojis e emoticons mais
usados para você não errar mais».
Ficamos gratos
e, mui provavelmente, somos até capazes de fixar três ou quatro dos que mais
nos agradarem para os começarmos a usar. Toda a gente usa, porque não hei-de eu
usar também?
Estudei
História, doutorei-me em História e Arqueologia, leccionei Epigrafia Latina e,
aposentado, entretenho-me a procurar decifrar inscrições doutras eras e a
mostrar não apenas a mensagem escrita, explícita, mas, sobretudo, a que está implícita,
o porquê daquele escrito, ali, daquela maneira…
Por
isso, comecei a interrogar-me sobre a razão de ser dos emojis (inventados pelo
japonês Shigetaka Kurita, nascido em 1972) e dos emoticons (conjunto de
caracteres que recriam expressões faciais, com letras do teclado, cuja criação
se deve a Scott Fahlman, em 1982, nascido em 1948).
E
compreendi a mensagem explícita: a forma expedita de expressar sentimentos,
emoções, sem necessidade de palavras.
A
mim, assim que começaram a aparecer, fizeram-me logo lembrar os hieróglifos do
Antigo Egipto.
Mas
achei que deveria ir mais além.
Regozijei,
por isso, quando me chegou às mãos, enviado já não sei por quem, o texto que me
deu a conhecer a batalha que Christophe Clavé trava, de há uns anos a esta parte. Professor de
Estratégia e Administração, presidente de uma empresa de consultoria e
investimentos com sede na Suíça, Clavé escreveu o livro As Vias da Estratégia, apresentado a 10
setembro de 2020, em que não trata
de estratégia política e económica, em si, mas da estratégia comunicacional.
O artigo que recebi – e que resume, de certo modo, o
seu pensamento – está acessível nas mais diversas línguas e tem sido largamente
comentado. No fundo, explica-se que, na actualidade, se regista um cada vez maior
empobrecimento da linguagem. Deixaram de utilizar-se formas verbais como o pretérito
mais-que-perfeito, o condicional… O vocabulário começou a reduzir-se ao
essencial, usa-se primordialmente o presente…
E é aqui que entra o implícito. Quando dominaram Timor,
os Indonésios quiseram acabar com o português – e ainda hoje estamos com problemas
para que até a língua portuguesa por lá seja entendida. Recordo que recebi na Universidade
alunos timorenses e enorme dificuldade houve para os integrar. Quando a Rússia
dominou parte da Roménia, impôs o alfabeto cirílico (o romeno é, como se sabe,
uma língua românica) e, inclusive, mandou destruir os epitáfios dos cemitérios.
Ou seja, a língua é um factor de autonomia, uma força contra a uniformização,
uma arma contra a tirania.
Isso explica Christophe Clavé, lembrando, por
exemplo, a obra-prima de George Orwell, 1984, o retrato maior do totalitarismo:
«Sem palavras
para construir um argumento, o pensamento complexo torna-se impossível. Quanto
mais pobre a linguagem, mais o pensamento desaparece. Aqueles que afirmam a
necessidade de simplificar a grafia, descartar a linguagem dos seus “defeitos”,
abolir géneros, tempos, nuances, tudo o que cria complexidade, são os
verdadeiros arquitectos do empobrecimento da mente humana».
Daí que termine
com um apelo aos pais e professores:
«Façamos com
que os nossos filhos, os nossos alunos falem, leiam
e escrevam. Ensinemos e pratiquemos o idioma nas suas mais diversas formas».
Estou certo de
que, se, quando ele escreveu, o uso dos emoticons e dos emojis já estivesse tão
na moda como ora está, Christophe Clavé contra o seu uso se teria insurgido
acerbamente».
José
d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas,
25.08.2023: https://duaslinhas.pt/2023/08/emojis-assassinos/
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