Foi
uma das primeiras sensações estranhas que, como epigrafista, tive, quando, em
Outubro de 1989, desembarquei, pela primeira vez, no Aeroporto do Galeão, no
Rio de Janeiro: as bagagens iam ser-me entregues numa… esteira!
Pasmei; mas o
pasmo depressa deu lugar à admiração, ao verificar, nos dias seguintes dessa
estada, que muitas outras palavras ‘clássicas’, do nosso quotidiano falar
d’outrora, o brasileiro mantivera. A mais conhecida será, porventura, para os
que lidamos com a temática histórica, o tombo. É certo: mantemos a Torre do
Tombo; mas, no Brasil, não se fala «classificar um prédio» e sim «tombar»!
E dei comigo a
pensar nesta palavra, que – usual no Algarve, porque nos habituámos às esteiras
e aos capachos de empreita – em linguagem citadina logo vai para a desgraça:
«Coitados, nem cama têm, dormem numa esteira!». E essa, porventura, nem esteira
é, mas ‘tapete’, que é, aliás, o vocábulo usado oficialmente nos nossos
aeroportos.
Fui ver (já é
mania!...) donde é que vinha a palavra. E não é que vem do latim ‘storia’?
Exacto: com o mesmo som, praticamente, de «historia»!
E isso me fez
lembrar uma outra sensação, essa (curiosamente!) em Maio de 1968, ao ver, junto
à Koutoubia, em Marraquexe, um ancião, sentado de pernas cruzadas numa esteira,
rodeado de ouvintes: era um contador de histórias! Situação que nos leva de
imediato a pensar no «tapete mágico» – e não na esteira… – das histórias das Mil
e Uma Noites.
Esteira seria,
de facto, pouco prática para voar e mesmo também o é para nós se, nas calmosas
tarde do Verão algarvio, nelas nos queremos esticar: há que pôr uma mantinha
por cima!
E, para os
figos, a esteira é outra, não de palma, mas de cana; e, aí, sempre ganha asas,
como o tapete mágico, demanda terras orientais e exige que a ponham, mais os
seus figuinhos ao sol, em lugar solene, com nome a condizer com a sua elevada
categoria artesanal: o almanxar! Ora toma! Assim, quando a brandura começar a
‘cair’ (e agora já não é precisa, pois os figos estão é a secar!), lá virá,
sorrateira, a dona da casa e mui cuidadosamente tudo enrolará e guarda. Amanhã,
outro dia será!
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 333, 20-08-2024, p. 13.
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