segunda-feira, 8 de junho de 2015

Eles são… pessoas?

           1
        Quando, sob o actual logótipo do município de Cascais, se apôs a bonita frase programática «Elevada às Pessoas», regozijei. Até que enfim, uma instituição proclamava querer estar ao serviço das pessoas e não de credos económicos, políticos ou religiosos. As pessoas acima de tudo! Intenção boa, exemplar.
2
        Quando se legislou a obrigar ao inventário pormenorizado do que levava dentro a carrinha da instituição particular de solidariedade social, teve-se também em atenção a pessoa. Importava que, mesmo dedicando-se, sem auferir um cêntimo, a essa nobre causa de ir levar comidinha ao velhote entrevado e sem família, o voluntário tivesse os pés bem assentes no chão e soubesse o que andava a fazer. Quantas malgas de sopa, quantos pãezinhos, quantas peras… Num mundo organizado, tem de ser assim. Há que contar com o tempo necessário para esse minucioso inventário. Tem que ser!
        Ou, se fores fazer assistência domiciliária, quantos sabonetes, quantas toalhinhas, quanto champô gastaste… Pessoa que se preza tem de andar na linha, pois claro!

3
        Quando, por via de uma emenda legislativa, se proibiu os aposentados de – mesmo gratuitamente – partilharem em aulas ou em cursos e conferências o saber por décadas adquirido, estava-se, claro, a pensar na Pessoa! Estava aposentada, não estava? Pronto, já deu o que tinha a dar! Fique-se aí num canto, a olhar pró infinito, que é serenidade a sorver!...

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        Quando se pede ao investigador que declare que livro vai escrever daqui a cinco anos, é exigência de planeamento! A Pessoa não pode andar aí ao Deus dará, sem ter planeado o que vai fazer daqui a cinco anos! Não pode!

5
        Quando, para completar a informação acerca de uma estrutura arqueológica, passível de obter-se em dois dias de sondagem, te exigem projecto a desenvolver em quatro anos, tens de compreender: sem projecto de a longo prazo e sem uma equipa pluridisciplinar, não és nada, não és Pessoa com letra maiúscula.

6
        Quando, para dares à Santa Casa da Misericórdia miúda parcela de terreno de que pagas 0,50 euros ao ano de contribuição, te exigem insuspeitados documentos, a provar que a terra é mesmo tua, não a roubaste, foi legitimamente herdada… claro que tudo se passa no legítimo interesse da Pessoa, a Pessoa acima de tudo. A Pessoa desiste e não faz a doação, que lhe custaria, em papelada, mais do que cem anos de dízima e tantos já ela não conseguirá viver! Mas não devia desistir!
Conclusão
        Daí, no final deste mui sucinto rol, nos vir à cabeça a pergunta: eles são pessoas? Eles, os que assim legislam e a quem, com o nosso voto, demos tal poder.

                                                               José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 95, 03-06-2015, p. 6.

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