Confesso
o meu pecado por só tão tardiamente delas me haver apercebido. Sempre é bom,
porém, ter um parente que decide passar uns dias cá em casa e nos diz «Olha,
mostra-me Cascais, que eu não conheço nada!». E, claro, foi a visita pela baixa
cascalense, o Centro Cultural, a Casa de Santa Maria, o Condes de Castro
Guimarães, o Museu da Presidência de fugida (com aquela original exposição no
baixos, a não perder, acerca dos ‘bastidores’ de célebres peças teatrais), o
museu e o farol de Santa Marta, com o privilégio de se observarem lá do cimo, a
meio da manhã do dia 11, os golfinhos (seriam dois grupos sociais deles?) que
ao longo da costa se dirigiam para os lados do Guincho... E a Casa das
Histórias.
A exposição Paródias, na Casa das Histórias
Como
se sabe, é errado pensar-se que ver a Casa das Histórias uma vez está tudo
visto e não se fala mais no assunto. Mesmo que haja pinturas que ganharam jus
de permanência, há sempre uma diferença a salientar e a justificar a visita.
Catarina
Alfaro, responsável, desde Março de 2010, pela programação da Casa, foi a
responsável pela ideia e sua concretização. O resultado da pesquisa levada a
cabo para erguer esta exposição está à vista. E agrada-me.
Gostaria
de ter sabido, mediante a leitura do texto que vem no folheto do percurso
expositivo, como é que a ideia surgiu e, sobretudo, como é que se chegou lá.
Começa-se por explicar – e transcrevo esse início, a título de exemplo – que «a
exposição Paródias se delineou no
amplo contexto de referências indirectas de Paula Rego e estruturou-se, desde
logo, a partir de um diálogo, não ilustrativo, entre as obras dos dois
artistas, distanciadas por mais de um século, que transmitem uma visão crítica
de vida e dos costumes portugueses da sua época».
Os
parágrafos seguintes vêm na mesma linha pensamento, a esclarecer como Rafael
Bordalo Pinheiro (1846-1905: é mesmo do criador do Zé Povinho que se trata!)
parodiou o seu tempo, designadamente os políticos do seu tempo, e como também
Paula Rego, nomeadamente em tempo de ditadura, se não privou de ridicularizar o
que ia acontecendo. É um texto erudito, denso, que certamente não terá muitos
leitores (e será pena!), mas onde se realça – e transcrevo outra passagem – que
«esse processo de denúncia social e política é elaborado pelos dois artistas a
partir de uma observação atenta do quotidiano, que reflecte, apesar da
distância cronológica que os separa, o modo como o contexto ideológico, filosófico,
político e mesmo moral do realismo foi determinante na definição do percurso artístico
de ambos».
Catarino
Alfaro foi à obra de um e de outra e colheu imagens que colocou lado a lado. E
o visitante admira-se do extraordinário paralelismo, inclusive formal, no gesto
e na estrutura. Foi mesmo Paula Rego colher inspiração a esse desenho
específico de Bordalo Pinheiro? Provavelmente, não. E se assim não foi, muito é
de realçar o intenso labor comparativo que Catarina Alfaro levou a cabo, pois
tal implica um conhecimento profundo da obra dos dois artistas.
Que
o resultado que está à vista surpreende, isso não há dúvida nenhuma!
Que
é de aplaudir a ideia e que a exposição tem de ser vista por muita gente e
analisada com olhos de ver, tanto no que se refere ao Bordalo Pinheiro como à
Paula Rego – também dúvidas não poderá haver.
Têm
os artistas este condão de serem intemporais. Ou seja: a sua obra nasceu de
impulsos de um contexto histórico-geográfico determinado; contudo, queira-se ou
não, esse contexto repete-se, de tempos a tempos, e mais nuns tempos do que
noutros. Tem a exposição termo marc ado para 15 de Julho. Irá o Povo de férias,
ainda que continue, então, a pender no ar um contexto eleitoral. E também nesse
aspecto – eu ia a escrever, ‘sobretudo’ nesse aspecto – a exposição é de ver-se. Não foi decerto sem intenção que Catarina Alfaro incluiu na quarta página do
folheto a bem conhecida imagem que mostra «A Política: a Grande Porca». Esse
«mundo ambíguo e complexo de interacção
entre humanos, animais, vegetais e híbridos que funciona igualmente como um
complemento humorístico», essa «dúplice condição »
atribuída aos animais, que Catarina aponta ser apanágio de ambos os artistas. Aliás,
não se recorre amiúde às fábulas, ao «tempo em que os animais falavam» para
sarcasticamente se verberarem atitudes repreensíveis?
José d’Encarnação
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