quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A espeteira

             Andamos meio azoinados com estas inesperadas mudanças de clima e de temperatura. As branduras da manhã e da noite exigem gorros na cabeça e nas orelhas e só apetece estar, como os gatos, enroscados junto ao borralho. Os que temos o privilégio de o poder fazer!...
            Pois estava eu a atiçar o fogo no lenho da alfarrobeira velha na chaminé, quando adreguei olhar para a espeteira que já vem do tempo de minha avó Bia dos Santos. Lá se mostram, impantes, os tachos de esmalte pintado, ao lado dos cobres que minha tia Chica traz sempre areados, num brinquinho…
            «Espeteira»? Há ‘séculos’ que a palavra não me ocorria e fui ver o que é que o Torrinha dizia. Lá estava: «Gancho nos tabuados das cozinhas, louceiros, etc., para pendurar carne, vasilhas e outras coisas». Não é bem a mesma coisa, acho eu, pois para nós a espeteira tem ganchos, mas é assim como que uma estante, só que não dá para os livros e tem uma ripa em cada prateleira, para segurar o trem da cozinha (Uau!... Esta do ‘trem’ está bem vista!...). E nada de pendurar lá a carne, se já se viu!...
            Escreveu Fialho de Almeida, n’Os Gatos: «Um povo que defende os seus pratos nacionais defende o território. A invasão armada começa pela cozinha». Orgulha-se São Brás de ser paladino da chamada dieta mediterrânica e de ter no seu Museu e também no pólo de Alportel a reconstituição da cozinha tradicional. De facto, neste tempo em que tudo, vertiginosamente, corre à nossa volta, apetece mais o quente e sereno aconchego desse recanto familiar – com a espeteira, cordão umbilical das nossas memórias…
                                                        José d’Encarnação
 
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 205, Fevereiro de 2016, p. 10.

 

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