Cícero
escreveu, no ano 44 antes de Cristo, não muito tempo antes de morrer, o diálogo
«Sobre a Velhice». E logo no começo, um dos personagens confessa:
«Escrever este livro foi-me tão aprazível que
não só afastei de mim todas as angústias da velhice, como a própria velhice se
me tornou doce e confortável».
São
anciãos a maior parte dos meus vizinhos de bairro. Reúnem-se alguns no café,
enquanto se não faz hora de irem buscar os netos à escola; dedicam-se outros ao
voluntariado aqui e além; raros são os que, aparentemente, não têm objectivos
para os seus dias… Muitos quereriam escrever as suas memórias, a contar das
peripécias passadas, que «a minha vida dava um filme!»…
Sinto-me
bem como ancião e confesso ter-me emocionado quando, pela primeira vez, li uma
das epígrafes de há dois mil anos, romana, achada em Beja, e que eu traduzi
assim:
«Quem
quer que tu sejas, viandante, que passares por mim, neste lugar sepultada, se
de mim tiveres pena – depois de teres lido que faleci no vigésimo ano de vida –
e se o meu descanso te sensibilizar, rogarei que, fatigado, tenhas mais doce descanso,
mais tempo vivas e longamente envelheças nesta vida de que me não foi lícito
desfrutar. Chorar de nada te vale! Porque não aproveitas os anos?
Ínaco
e Io mandaram fazer para mim.
Vai,
é preferível, apressa-te, agora que já leste o que tinhas para ler. Vai».
Ficou-me
sobretudo o voto da jovem Nice: «E longamente envelheças»...
Na
Misericórdia de que sou irmão, o lema para os anciãos que acompanhamos situa-se
num singelo trocadilho: envelheser! Ser, existir, viver, enquanto se envelhece!...
José d’Encarnação
Ilustração retirada, com a devida vénia, do texto de Ana
Vidal, «Este país não é para velhos, é para idosos», de 26.09.13
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 773, 15-03-2020, p. 11-12.
Que belo texto sobre a idade outonal da pátina dourada, subordinado a um título igualmente belo: "E longamente envelheças". Muitas ideias teria Nice ao dizê-lo: Aproveita a vida enquanto te é dado viver...Se muitos anos tiveres não os desperdices, que muito há para admirar...Não vivas depressa de mais para colheres as coisas boas da vida enquanto amadureces. Tudo expressões do mesmo pensamento, afinal.
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