Desde pequeno que ouvia minha mãe
falar «teu pai ia para a esgalha da cortiça». Não sei se antes de casar, se já
depois. Da vida de meu pai antes de casar eu só fixei dois pormenores: ia de
burro (ou burra, já não sei) comprar peixe a Olhão, para vender depois como arrieiro
(dali ele perceber de peixe como poucos…); e prestou serviço militar nos
Açores, com meu tio Blé – e veio daí o namoro com minha mãe. Da esgalha da
cortiça nunca calhou falar-me ou, se falou, eu não fixei. Aliás, eu não
perceberia muito bem o que aquilo era; mas ficava com a ideia de que podiam
ser, simultaneamente, uma coisa boa e uma coisa ruim. Boa, porque era trabalho;
má, porque minha mãe ficava sozinha e não lhe parecia que tudo se passasse pelos
Alentejos com o cuidado devido.
Mais tarde, aprendi; e, nos últimos
tempos, vim a saber que fora uma das principais riquezas da minha terra, que
havia fábricas a empregar o pessoal. Mais recentemente, não só S. Brás foi o primeiro
concelho a pugnar pela reciclagem das rolhas, como empresas há aqui (perdoem-me
se as não menciono) que dão cartas a nível nacional e internacional na apresentação
dos mais singulares produtos confeccionados em cortiça – que é um louvar a Deus!
Por isso, como professor da disciplina de História e Geografia de Portugal,
nunca me esquecia de anunciar com orgulho «Portugal, o 1º produtor mundial de
cortiça»!
Bem andou, pois, o nosso amigo
Correia Martins por, com a publicação do livro «A Cortiça, S. Brás de Alportel
e o Algarve no século XIX», reavivar as lembranças dessa actividade em que os
corticeiros são-brasenses muito se notabilizaram, não apenas aqui mas também
por algumas das terras alentejanas, como Coruche. E há aí toda uma história que
pouco a pouco se vai fazendo. E ainda bem!
O livro é uma edição de «Sul, Sol e
Sal» (de Loulé),; teve revisão de Isabel Brito; data de Abril; para além do texto,
apresenta sugestivas fotos; e, para gáudio dos menos familiarizados com estas terminologias
locais, traz bem oportuno ‘vocabulário corticeiro’, onde, por sinal, não
aparece a palavra «esgalha», certamente por ser de todos conhecida. Esse vocabulário,
contudo, não é assim tão ‘leve’, como poderia parecer. Exemplifico: uma das
entradas é «questão corticeira», onde, em breves traços, se sintetiza uma
polémica que, pelo seu alcance e consequências, muito deu que falar no final do
século XIX e primórdios do século XX.
Conclusão: é livro para ler!
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz, nº 295, 20-06-2021, p. 13.
Cá está mais um texto com o qual aprendi, sobretudo sobre o facto de a cortiça ser mais abundante em São Brás. Sempre convencida de que esgalhar era tirar galhos a um árvore, ainda me fica água na boca para saber mais. Por agora fico curiosa com esse título sobre a cortiça. Muito grata.
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