Amiúde
penso na felicidade que é ser avô. Não apenas por sentir que se lançou sementes
e que elas, mal ou bem, cresceram e se reproduziram; mas porque aos avós é dada
a oportunidade de, sem artifícios nem preparativos ou prevenções, transmitirem a
sua experiência. E lembro-me de ter lido que, em vez de a uma universidade se
ter dado o qualificativo de ‘sénior’, se preferiu chamar-lhe «da experiência».
Sempre
me impressionou, em jovem, quando estudei a organização político-social de
Atenas e de Esparta, saber que nelas havia conselhos de anciãos. Em Esparta,
era a Gerúsia: 28 membros, os gerontes, assim chamados por
terem mais de 60 anos. Daí
vem a palavra Gerontologia, uma especialidade médica, só mui recentemente creditada,
que trata das doenças da velhice. Em Atenas, era o
Areópago, conselho dos anciãos. Na minha inocência, imaginava tudo aquilo como uma
série de velhadas que, reunidos, teimavam em não deixar que se pusesse pé em
ramo verde, o que, se por um lado era bom, por outro deveria ser uma grande chatice!
Depois, à medida que a idade foi avançando,
as perspectivas alteraram-se, assim como quando se assobe a um monte e se vai
vendo um horizonte maior… E, hoje, ao dar a volta a uma gaveta, deparei com a folha
que um amigo me enviara a 20 de Julho de 2007, com este comentário em jeito de título:
«Espantosa, esta definição! Só mesmo vinda de uma criança…». Era o texto de uma
criança de oito anos, que fora publicado no Jornal do Cartaxo.
Recorto umas linhas do meio:
«As avós usam óculos e, às vezes,
até conseguem tirar os dentes. Quando nos contam histórias, nunca saltam
bocados e nunca se importam de contar a mesma história várias vezes. As avós
são as únicas pessoas grandes que têm sempre tempo».
E dei comigo a juntar palavras: experiência,
Gerúsia, Areópago, o tempo que as avós têm sempre!...
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 302, 20-01-2022, p. 13.
Que belo texto! Também não gosto nada de certos rótulos: sénior, idoso, terceira idade...Até velho pode ser pejorativo em certo contexto e com determinada entoação. Mas assumo ter sentido a mudança de perspectiva: os muito adultos de trinta anos, velhos para os meus 18, agora são muito jovens. E é melhor nem me adiantar em exemplos personalizados... Mas sobre os conselhos de anciãos, sim, sabia e foi um prazer recordá-los aqui. A memória tem de ser avivada, de vez em quando. E se fosse mais atrás, aos livros de banda desenhada sobre índios e cowboys (escondidos entre os de estudo) lá estavam esses senhores menos jovens, com muito mais experiência, venerados pelos mais novos. Ainda acontece nas sociedades (comunidades?) não tecnológicas que se mantêm à margem do mundo globalizado. Muito grata pela partilha deste texto.
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