quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

As avós


              Amiúde penso na felicidade que é ser avô. Não apenas por sentir que se lançou sementes e que elas, mal ou bem, cresceram e se reproduziram; mas porque aos avós é dada a oportunidade de, sem artifícios nem preparativos ou prevenções, transmitirem a sua experiência. E lembro-me de ter lido que, em vez de a uma universidade se ter dado o qualificativo de ‘sénior’, se preferiu chamar-lhe «da experiência».
            Sempre me impressionou, em jovem, quando estudei a organização político-social de Atenas e de Esparta, saber que nelas havia conselhos de anciãos. Em Esparta, era a Gerúsia: 28 membros, os gerontes, assim chamados por terem mais de 60 anos. Daí vem a palavra Gerontologia, uma especialidade médica, só mui recentemente creditada, que trata das doenças da velhice. Em Atenas, era o Areópago, conselho dos anciãos. Na minha inocência, imaginava tudo aquilo como uma série de velhadas que, reunidos, teimavam em não deixar que se pusesse pé em ramo verde, o que, se por um lado era bom, por outro deveria ser uma grande chatice!
            Depois, à medida que a idade foi avançando, as perspectivas alteraram-se, assim como quando se assobe a um monte e se vai vendo um horizonte maior… E, hoje, ao dar a volta a uma gaveta, deparei com a folha que um amigo me enviara a 20 de Julho de 2007, com este comentário em jeito de título: «Espantosa, esta definição! Só mesmo vinda de uma criança…». Era o texto de uma criança de oito anos, que fora publicado no Jornal do Cartaxo.
            Recorto umas linhas do meio:
            «As avós usam óculos e, às vezes, até conseguem tirar os dentes. Quando nos contam histórias, nunca saltam bocados e nunca se importam de contar a mesma história várias vezes. As avós são as únicas pessoas grandes que têm sempre tempo».
        E dei comigo a juntar palavras: experiência, Gerúsia, Areópago, o tempo que as avós têm sempre!...

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 302, 20-01-2022, p. 13.

1 comentário:

  1. Que belo texto! Também não gosto nada de certos rótulos: sénior, idoso, terceira idade...Até velho pode ser pejorativo em certo contexto e com determinada entoação. Mas assumo ter sentido a mudança de perspectiva: os muito adultos de trinta anos, velhos para os meus 18, agora são muito jovens. E é melhor nem me adiantar em exemplos personalizados... Mas sobre os conselhos de anciãos, sim, sabia e foi um prazer recordá-los aqui. A memória tem de ser avivada, de vez em quando. E se fosse mais atrás, aos livros de banda desenhada sobre índios e cowboys (escondidos entre os de estudo) lá estavam esses senhores menos jovens, com muito mais experiência, venerados pelos mais novos. Ainda acontece nas sociedades (comunidades?) não tecnológicas que se mantêm à margem do mundo globalizado. Muito grata pela partilha deste texto.

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