– Não sei se
sabes, mas no começo do século XX…
A frase
chocou-me.
Inesperadamente.
Não me
apercebera ainda de que, na boca de um entrevistado para um entrevistador, ela poderia
significar de algum menosprezo. Inconsciente, claro!
Se o
entrevistador fora pessoa sensível, teria razão para se melindrar e dar, até,
uma resposta menos cordata. Não deu. E a conversa prosseguiu naturalmente.
Eu é que, enquanto
saboreava a torrada com manteiga, dei comigo a pensar na quantidade de frases proferidas
no quotidiano, susceptíveis de poderem ofender ou desagradar ao nosso interlocutor.
Não, já não
falo do hã?! tão frequente em alguns dos nossos locutores a quem não houve o cuidado de
ensinar os mecanismos da boa respiração radiofónica. Chateia-me ouvir; desculpo,
embora não compreenda.
Também não refiro
«O quê?» com que amiúde somos bombardeados. Está um grupo na conversa; chega alguém,
e quer logo entrar: «O quê?». Como quem pergunta: «O que é que vocês estão para
aí a dizer?». Apetece-me sempre responder: «Espera aí, homem, já compreendes!».
Volto à frase inicial,
para referir duas outras passíveis de ofender.
Bordões lhes
chamamos nós em linguagem. «Palavra ou frase que se repete inconscientemente na
conversa ou na escrita», explica-me um dos meus dicionários e aponta, até, como
etimologia, a palavra latina burdo, que significa ‘mula’, quiçá (informa-me
outro) por ser outrora o muar o bordão habitual do peregrino… «Não sei se estás
a ver», «Estás a perceber?...» – aí estão eles!
E, como se vê,
a ignomínia da incapacidade de compreensão é atirada para o interlocutor, quando
o mais cordato seria, por exemplo: «Estou a explicar-me bem?».
E agora
pergunto eu: será que me expliquei?
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 825, 01-07-2022, p. 12.
Explicou, pois. Parece que também está na moda intercalar várias vezes a palavra "tipo" em todas as frases.
ResponderEliminarMais uma reflexão bem sugestiva sobre as actuais formas de desinformação! Há uma menosprezada inconsciência sobre o não comunicar! Deixei de perguntar “ fiz-me entender?”, pois interiorizei que hoje em dia há cada vez menos pessoas a querer escutar e entender,portanto não há uma verdadeira Comunicação. Proliferam os “ egos” e desvanecem-se os “ altri”. Quanto mais inventam tecnologias, mais se desumanisam as sociedades. É até deprimente...
ResponderEliminarExplicaste-te muito bem.
ResponderEliminarComecei logo a rir na primeira linha deste oportuno texto. Talvez haja pior do que essas bengalas do "hã...o quê" quase inconscientes. Há quem se faça passar por surdo, ouvindo melhor do que nós. Quando falamos baixinho, metendo numa conversa inventada o nome do falso "surdo", ele berra dizendo..."bem ouvi o meu nome"! Ou seja, baixinho ouve bem... Se estamos a falar de profissionais de Comunicação, a bengala deve ser eliminada, claro, que o discurso tem de ter pernas para andar. Também eu metia no meio, ou no fim das frases, um "entende"? E uma vez um interlocutor (por acaso escritor) disse-me: "entendo, entendo muito bem", como quem dizia: "mas julga que eu sou burro?". Muito grata por este precioso e maneirinho texto, com as chamadas de atenção necessárias para meditarmos melhor no que dizemos e escrevemos, daqui em diante!
ResponderEliminarBom Dia Caro Amigo
ResponderEliminarObrigada por mais um texto "bom ,breve e bem "....escrito .Que bom começo de dia !
Ficamos à espera de outros. Bom Fim de Semana.
«O diretor do colégio onde andei repetia constantemente: “Noé”, provavelmente abreviatura de “Não é”.
ResponderEliminarHavia uma aluna, certamente irreverente, que pegava num papel e num lápis para fazer um risco todas a vezes que o Senhor dizia “Noé”…
“Noé” verdade que é um bordão?», pergunta-me a Regina. E eu respondo afirmativamente.
Na minha turma éramos mais irreverentes e, sempre que o professor dizia «não e?», a turma, em surdina, explicava: «Fez uma arca e pôs-se lá dentro!».
Nice post thank you Alfonso
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