Antes de
partir, o senhor chamou os empregados e deu a cada uma porção de dinheiro, com
a recomendação de que dele se servissem como achassem melhor.
Na parábola do
Evangelho (Mateus 25, 14-30), especifica-se: deu talentos. O talento era
a moeda de então, como o euro agora. Fazia parte do sistema monetário romano e
torna-se hoje bem difícil ajuizar quanto poderia valer. Fica-se, porém, com a
ideia de que o senhor da parábola não teria sido parco na oferta.
Conhece-se
a continuação da história: cada um fez como lhe pareceu melhor e, no regresso,
o senhor premiou quem lograra obter maior rendimento.
De
talento, moeda, a palavra ganhou – porventura devido à parábola – o conceito de
dote, capacidade específica que o animal detém logo à nascença: «Nasceu para…».
Claro, de imediato nos ocorre «nasceu para ser feliz», o anseio de todos os
humanos. Há, contudo, o lado concreto: nasceu para ser músico, atleta, professor,
político…
Acentua-se,
por conseguinte, o dom natural, a propensão inata, sabendo-se, todavia, que
esse dom pode vir a ser amarfanhado ou potenciado. A Psicologia aponta nitidamente
para a potenciação, partindo do princípio de que, se há dotes adquiridos pós-nascença,
eles só foram possíveis por haver para eles plataforma favorável.
Não
gosto do nome do programa Got Talent:
– 1º) porque, embora
compreenda a obrigatória obediência ao paradigma criado pelo talentoso inglês Simon
Cowell, se poderia ter salvaguardado, no contrato, a possibilidade de o baptizar
com nome português;
– depois, porque
got significa adquirido e, se é certo que o talento se aperfeiçoa, caso
ele não esteja na matriz da pessoa, escusado será pensar que ela venha a ser… talentosa.
Compete a cada
um – e primeiro aos pais e aos educadores – observar-se e observarem, a fim de
se fazer a escolha acertada.
Se temos de prestar
contas de como usámos os talentos? A parábola não admite excepções!
Não nasci
para ser marceneiro; até o vulgar parafuso não fica bem à primeira! Há, porém,
um talento que faço questão em potenciar. Único, excepcional, perecível,
fugidio, difícil de agarrar: o tempo! 24 horas do dia, 60 m numa hora,
60 s num minuto! Considero-o o talento mais importante. E esse todos o temos! À
nascença!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 826, 15-07-2022, p. 12. [Imagem de Vagda Campos]
Post-scriptum: Na época romana, o talento era uma moeda de conta, ou seja, nunca foi uma moeda física efectiva. Atribuía-se-lhe o peso de 27,300 gramas e valia 100 asses. Recorde-se que o denário (palavra donde deriva ‘dinheiro’) valia 10 asses.
Gostei muito de ler este texto que aborda dois difíceis conceitos: talento ( e quantos itens seriam precisos para desdobrar o seu significado) e tempo, este ainda mais problemático por ser quase indefinível. Quem o diz é o físico italiano Carlo Rovelli, que, ou assegura que o Tempo não existe (e nós a falarmos dele a toda a hora) ou diz que ele existe em diferentes camadas de desigual importância, e de diferentes formas para pessoas desiguais, que o somos todos,. E aqui, com a cabeça à roda, já o entendo melhor. O mérito deste texto é fazer-me pensar no assunto, porque não há pessoa que diga mais; não tenho tempo. Muito grata pela partilha destas ideias.
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