Recebi, há dias, enviado por um amigo, o recorte da notícia em anexo: «Ónibus entrou na casa humilde e foi apanhar a velhinha de 42 anos».
Data o jornal
de 1904 e se, a princípio, a local me surpreendeu («velhinha de 42 anos»?...),
depressa caí em mim e regozijei, porque, apesar de ter a certeza de que já sou
quase octogenário, amiúde me vem à cabeça (e eu acaricio-a!...), a
possibilidade de não ser chamado velhinho.
Claro, prefiro
‘idoso’, ‘ancião’, ‘jovem há mais tempo’ (como diz o meu autarca) ou mesmo ‘septuagenário’,
concedo. Acho que septuagenário dá mais a ideia de que já se viveu bastante tempo,
anos carregados de experiência adquirida.
Depois, outras
ideias se atropelam.
A primeira: «Bolas!
Os meus filhos já têm mais de 50 anos!».
‘Cumprimentei’,
na semana passada, o busto do Sr. Almeida Garrett. Tinha as datas de nascimento
e morte. Fiz as contas e verifiquei, espantado, que o autor de Viagens na
Minha Terra, que tanto me deliciou com a história da Joaninha dos olhos verdes,
morrera aos… 55 anos! Velhíssimo, portanto, na concepção do jornalista de 1904;
quase na flor da idade, ousaríamos dizer nós hoje! E explique-se lá se os
qualificativos têm valor absoluto! Uma ova! Relativíssimo é o que é!...
Recebemos amiúde
– todos e não só os anciãos! – vídeos com bonitas e encorajadoras mensagens a
mostrar o que é isso de velhice; porque é que uma pessoa não se deve consciencializar
que está velha, incapaz, mesmo que se esqueça de tudo e lhe aconteça querer meter
o prato no frigorífico, quando o ia pôr no micro-ondas para aquecer; porque deve
fazer palavras cruzadas, sudoku, caminhadas, mexer-se!... Porque é que está proibido
de, pela manhã, dizer – enquanto, a custo, retira uma perna e depois a outra de
debaixo do lençol… – «Que chatice! Mais um dia para me aturar a mim mesmo!», em
vez de, num agradecimento, abrir a janela, respirar fundo e proclamar «Está um
lindo dia para sorrir!».
E não é que está
mesmo!...
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 838, 15-02-2023, p. 10.
É mesmo como este texto tão bem sugere: a idade é não mais do que uma codificação dependente dos valores de quem a faz.
ResponderEliminarA uma senhora não dá muito jeito dizer a idade, porque (de novo dependendo de..) tecem-se considerações muito pouco abonatórias para as que são "jovens há mais tempo".
Que nos julguem pela coerência e dignidade das acções e deixem a "coscuvilhice" de "quantos anos tem" em tudo o que é formulário, ainda que argumentem que é para estatística...