Paro, de vez
em quando, e pergunto-me a mim próprio se não era melhor estar mudo e quedo,
saboreando mui despreocupado os dias que me é dado viver…
Uma colega, há
dias, garantia-me: «Leccionei durante anos e anos! Aposentei-me, parou». Eu, não:
está-me no sangue a vontade de partilhar experiências e recordo quanto me
agradava, após uma viagem no quadro do programa ERASMUS, contar logo aos meus
estudantes o que aprendera. Sentia que, desta forma, eles, aos 20 a pouco anos,
acabavam por ficar a saber o que eu aprendera aos 50. E era bom.
João Lourenço Roque, catedrático de História
no mesmo dia que eu (a 05-06-1991).
também se aposentou. Ao contrário de mim – que continuei, depois da aposentação,
a não abandonar a minha dama, a Epigrafia –, ele largou por completo as lides da
História em que se especializara e rumou a Calvos, a sua remota aldeia natal,
na freguesia de Sarzedas, concelho de Castelo Branco. Aí se dedica à agricultura,
seguindo a norma dos clássicos – “o regresso à terra é o melhor” – e escreve
crónicas para o jornal albicastrense Reconquista. Faz-me lembrar o nosso
Ibne Mucana, de Alcabideche (Cascais), que, no século XI, depois de anos e anos
nas cortes dos reinos de taifas, cansado dos sofisticados ambientes cortesãos,
voltou para a terra natal e se dedicou a amanhar magras terras.
São as crónicas
de João Roque revisitação constante de pessoas e lugares, para que se saiba: estão
vivas, os lugares existem e carecem de atenção. Cada crónica, uma viagem sem
rumo certo, aos ziguezagues (como ele próprio reconhece), ao sabor das memórias
e das circunstâncias, corrente desenfreada – e nisso reside o seu encanto. É
capaz de estar a falar de azeitonas e lembrar-se de Coimbra e do seu amor – e a
gente vai por i com ele!...
Por isso deu à
série – que recentemente reuniu em volume (Digressões Interiores 3, Palimage, Coimbra, 2021) – esse nome de «digressões».
Nesse, que reúne o que escreveu de 2017 a 2021, há páginas a não esquecer, porque
retratam quanto todos nós passámos e sentimos: o tempo da pandemia! As
reacções, os sentimentos, as dúvidas… «Digressão» é isso mesmo: passar dum assunto
para o outro, sem tir-te nem guar-te, como quadro de rica policromia. E «interiores»,
para realçar a beleza ímpar dum interior que merece ser celebrado, cantado, mantido
no seu melhor, mantido nas suas gentes!
José d’Encarnação.
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 851, 15-09-2023, p. 10
Na cidade, o Jose ; nas serras, o João.
ResponderEliminarO Anónimo Joaquim Almeida de sua graça.
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