Conta o Padre António Vieira, num dos sermões, a faina do estatuário desde o arrancar da pedra na montanha até ao afilar dos dedos duma estátua. Ciência de experiência feita, a do estatuário; saber de experiência feito, o do pregador.
Instintivamente,
a cena ocorreu-me ao ler o livrinho «Caldos de Castanha», que Alberto Correia
cinzelou, dez municípios apoiaram, Sernancelhe e a Confraria da Castanha,
fundada a 22 de Outubro de 2006, editaram.
Oito
são as receitas apresentadas, colhidas em restaurantes da zona e, também, no
Curso Técnico de Cozinha/Pastelaria da Escola Profissional de Sernancelhe. Qual
delas, a melhor – no sabor, na mestria e no respeito pela tradição.
Louve-se,
naturalmente, a iniciativa, não apenas por veicular em papel informações a não perder,
mas – de modo especial – por os executivos dos vários municípios envolvidos se
haverem disponibilizado a apoiá-la.
É
um livrinho pequeno, de escassas 24
páginas. Na da esquerda, sempre, as excelentes fotografias, saídas do apurado sentido estético de José Alfredo; na da direita, os textos.
páginas. Na da esquerda, sempre, as excelentes fotografias, saídas do apurado sentido estético de José Alfredo; na da direita, os textos.
E se as
receitas obedecem ao rígido e esclarecedor formulário do ritual culinário e vão
carecer, por isso, de toda a atenção de quem as quiser pôr em prática (os
caldos, os cremes, as sopas…), já o mesmo se não dirá dos três ‘capítulos’ iniciais,
onde Alberto Correia deu largas ao seu estro poético. António Vieira, dum
pedregulho fez saltar uma estátua; Alberto Correia, de banal castanha, atira-nos
para um universo poético, a mostrar como, na vida de todos os dias, a sabedoria
do olhar deve prevalecer a desfazer negridões e penumbras.
Ora
vejam-se os títulos:
–
«Soutos da Lapa – Epopeia sobre a montanha»;
–
«Castanha – O fruto que se fez pão»;
–
«A Malga de Caldo – Um elemento fundador».
Abre-nos
o apetite para os caldos, os cremes ou as sopas; mas aguça-nos a curiosidade o que
cada capítulo ensina.
«’Caldo’,
palavra derivada da antiga língua latina, calidum, que significa quente,
porque quente se servia esse primeiro manjar preparado no primeiro fogo do lar
à gente do trabalho, aos filhos pequenos, como pão de cada dia, e era ritual festivo,
era pão de viajante numa pausa do caminho, era esmola de pobre que batesse à
porta».
E eu, garanto, vou mesmo bater à porta!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 854, 01/11/2023, p. 10.
Que maravilha de texto, partindo do sermão do o Padre António Vieira, sobre o trabalho do escultor "desde o arrancar da pedra na montanha até ao afilar dos dedos duma estátua" chega-se ao odor, ao sabor e à poesia de mais do que um caldo de castanhas. Agradeço a partilha.
ResponderEliminarM. Teresa Lopes Pereira
Apetece o caldo , mas para já saboreia -- se o texto e sim vou com apetite à castanha prosaicamente assada no forno eléctrico num apartamento, mas degostada em familia no nosso dia do Pão por Deus.
ResponderEliminarAguçou-me o apetite o seu saboroso texto!
ResponderEliminarEu não tenho à porta de quem bater para pedir um caldo de castanha a fumegar e com umas ervas aromáticas por cima. Moderno.
ResponderEliminarTempos houve em que comia (fingia) uma sopa cremosa de castanha feita pela prima Carolina, mas não...não era das minhas preferidas...Nenhuma era, nessa altura.
É um texto muito bonito e aconchegante, que vem de Padre António Vieira, talvez o melhor prosador português, até outro prosador-poeta chamado José d´Encarnação, a quem agradeço estes momentos tão portugueses-