quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Luz vermelha

              
Cândido Ferreira já não pertence ao nosso mundo; deixou.-nos em Fevereiro deste ano. Aliás, as suas intervenções nos últimos anos de vida poderiam já ser consideradas «do outro mundo», como foi o caso do livro
“Covid-19 A Tempestade Perfeita”, sobre que o médico Rui Crisóstomo – em cerimónia de homenagem realizada em Cantanhede, sua terra natal, a cujo município mui significativamente Cândido Ferreira entregou parte do espólio histórico que foi reunindo ao longo dos anos – afirmou que as soluções aí apontadas, «por estarem sempre muito à frente no tempo, só muito mais tarde foram reconhecidas na sua justeza e validade», acrescentando: «Infelizmente, quando o foram, para muitos, era tarde demais».
            Retomo a evocação da sua memória, porque dele guardei esta frase que me enviou numa das muitas mensagens que tivemos oportunidade de trocar:
            «No entanto, três meses depois da apresentação da candidatura, bloqueado pela principal imprensa, que sobre mim só passava contrainformação, ganhei a certeza de que o melhor seria desistir. Pois se até entrevistas televisivas solicitadas foram alvo de apagão, enquanto jornalistas amigos me avisavam que sempre se acendia uma qualquer “luz vermelha”, quando o meu nome aparecia nas Redações».
              Referia-se à candidatura à presidência da República.
            Ocorreu-me agora a sua alusão à ‘luz vermelha’. Não, por encontrar, amiúde, quem, na estrada, passe a toda a brida e o semáforo já virara encarnado, mas porque a frequência dessas tais luzinhas vermelhas está a aumentar substancialmente.
Cândido Ferreira partiu, consciente de que, custe-lhe o que custasse, não obedecia ao eufemismo do «politicamente correcto» e, por isso, a luzinha acendia; nós, os que por cá ainda andamos e tivemos a experiência de aprender a escrever para a Censura, acabamos por, agora, recomeçarmos essa aprendizagem.
O perigo espreita, porém: o de nos acomodarmos, baixarmos os braços, quem vier atrás que feche a porta, para que hei-de eu ralar-me, eles são pagos para isso, albarde-se o burro à vontade do dono!...
O dono é que nem sempre domina à perfeição as técnicas do albardar e, quando menos se espera, lá vai a cangalha ao chão com tudo o que tem em cima e nada há que se aproveite depois. Chora-se sobre o leite derramado, mas só o canito que passe o tentará lamber…

José d’Encarnação

Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 855, 15/11/2023, p. 10.

 

2 comentários:

  1. O que é de recear é se até as luzes cor de rosa já estão a ser consideradas perigosas e confundidas com vermelhas como acontece com os nomes...

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  2. Sobre este caso e esta personalidade, fico muito triste com as injustiças.
    Depois fico revoltada com as pessoas que nunca ajudam quando se acendem as luzes vermelhas. Só ficam ao lado se as pessoas estiverem na mó de cima.
    Por último a autocensura: sermos obrigados a não dizer, a não escrever o que sentimos. Só me consola que um dia o cangalheiro chegará para todos e os que partem de papo cheio de maldade, serão esquecidos num abrir e fechar de olhos.
    Texto muito oportuno. Seria bom se o cidadão-médico Cândido Ferreira pudesse ler estas crónicas...

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