quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Pavana por um mosteiro perdido

           

            A teu lado, o cipreste altaneiro queria eu não fosse, também aqui, árvore de cemitério, mas, antes, forte grito de alerta:

– Não vêem, senhores, a tristeza do campanário que eu guardo?

            É verdade, cipreste. Deixa-me que eu prefira a beleza dos telhados recém-restaurados a espreitar e eu a imaginar cantares de vésperas a perder-se, ao sol-pôr, pelas franças da vegetação da cerca envolvente.

Sabes, cipreste, assim aninhado e visto de longe, o teu mosteiro faz-me bem compreender os sonhos dos proprietários. Também eles gostavam mais que as trepadeiras vorazes o não estivessem a cobrir; que nas janelas houvesse vidraças em seus caixilhos; que, no remansoso ambiente místico da capela se ouvisse, de quando em quando, um concerto, a ressuscitar, porventura, o canto gregoriano d’outrora.

            Gostavam.

            Tiveram, um dia, a ideia ingénua de que, se fosse classificado, o seu mosteiro ganharia e esses seus sonhos mais facilmente seriam realidade. Não foram. Não são. As intrincadas malhas pérfidas de ignóbil legislação, gizada, em dia não, por cérebros recatados em asséptica torre de marfim, não no facilitam.

            Por isso, mosteiro, eu te prefiro ver de longe.

Romântico, triste, saudoso…

Ao perto, eu descobriria as chagas; eu regurgitaria revolta contra as teias que burocrática aranha teceu. E, bem no sabes, mosteiro, eu gostava de ter força para acordar Lisboa ou Coimbra ou Castelo Branco.

Gostaria de pensar que também a minha voz – e não apenas a tua e a do teu cipreste – teríamos força para destruir as teias e que, perante a realidade concreta, palpável, na serenidade que tu, mosteiro, de alto campanário qual sentinela, inspiras, se lograssem entabular conversações.

Era bom.

                                               José d’Encarnação

Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 856, 1/12/2023, p. 10.

 

2 comentários:

  1. Estará o autor deste texto a falar do Real Mosteiro de Santa Maria, em risco de "derrocada" e hoje em mãos privadas?
    É costume em Portugal tratar-se assim o património arquitectónico civil e religioso, mas quando adquirido por particulares, talvez devesse articular-se um projecto funcional com os órgãos do poder para aquisição de verba: manutenção e realização dos fins em vista.
    Estive há anos no hotel rural de S. Cristóvão de Lafões. O imóvel foi mantido com a traça original, as cavalariças transformadas em quartos confortáveis.
    Tinha piscina, servia pequeno-almoço impecável.
    Era dessa forma que o mantinham e preservavam a História.

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  2. É mesmo esse! E é por essa articulação que se pugna. O Estado, a meu ver, não deve dificultar mas sim facilitar quem se prontifica a zelar pelo património comum.

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