A
frase escolhida para título desta crónica tem uma história – real ou inventada
– sobejamente conhecida.
Atribuída a
oráculo proferido pela pitonisa de Delfos, em resposta à consulta de um soldado
(segundo uma versão) ou dos conselheiros de Alexandre-o-Grande (segundo outra),
é amiúde citada para demonstrar o valor da vírgula.
De facto,
sem vírgulas a frase tem dois sentidos opostos, dependendo do sítio onde a
vírgula se puser:
1)
Irás vencerás não, morrerás
2)
Irás vencerás, não morrerás
Dir-se-á que tudo isso é tão comezinho
que não justifica nova crónica.
Quiçá
justifique, se atentarmos no desleixo generalizado que se verifica quanto ao uso
da vírgula. Mesmo pessoas altamente instruídas caem, por exemplo, no erro de
separar o sujeito do predicado por meio duma vírgula e não sabem quando é que
depois do pronome relativo se deve – ou não – pôr vírgula.
Por isso, merece
pensar-se no uso da pontuação.
Há regras.
Importa aplicá-las na linguagem escrita, que se quer escorreita.
Lembro-me
que alguém desabafou: «Que chatice! Ele está sempre a pôr vírgulas!». Outro
confidenciou-me: «Isso nos poemas a pontuação atrapalha tudo!». E um terceiro
perguntava-me: «Leste o ‘Memorial do Convento’?».
Respondo:
Aceito
que o poeta não queira usar pontuação, como o pintor pode não dar título a um
quadro. Ambos preferem dar liberdade: cada qual entenda como quiser. Acham que
essa liberdade enriquece a obra. Aceito.
Uma
coisa é, todavia, a linguagem escrita dum texto científico, normal, outra a
linguagem literária. De facto, tanto Saramago como Lídia Jorge usam a pontuação
para se aproximarem da linguagem oral. Nos seus livros, o ponto equivale a uma
pausa na fala, mesmo que seja a meio da frase.
Em suma, não basta ter aprendido a
escrever. Expressar-se por escrito exige prática, atenção e, sem dúvida, algum
esforço. Não admira, por isso, que se esteja a recorrer cada vez mais aos
emojis, que é como quem diz: «Interpreta à tua vontade! Mando-te um grande coração
vermelho; interpreta ‘gosto’, ‘amo-te!’, ‘adoro-te!’, ‘gosto de ti!’ – como
quiseres. Confesso, no entanto, que por palavras fica tudo muito mais explícito.
E eu sempre prefiro um «adoro-te!» a um mero «gosto de ti!». O coração
vermelho, ao ter tudo, acaba por nada ter. Fica-se na dúvida. E é chato!
José
d’Encarnação
Publicado
em Notícias
de S. Braz [S.
Brás de Alportel], nº
330, 20-05-2024, p. 13.
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