quarta-feira, 19 de junho de 2024

Alfarroba

Que poderá incluir-se numa crónica a que se dê o título de Alfarroba?
Sei que o nome já foi adoptado para designação de estabelecimentos comerciais. Acerca da genuína e antiga utilização do fruto para alimentação dos animais domésticos – o porco, o burro, a mula, o cavalo… – nada poderá acrescentar-se, a não ser garantir que isso foi outrora e, nos nossos dias, à alfarroba se reservam outras especialidades mais gostosas e de maior rendimento, que as bestas se alimentam agora com rações artificiais, genericamente alteradas. Estamos conversados.
            Consegui que, num dos recantos ajardinados do meu bairro suburbano, se preservasse a alfarrobeira que por lá espontaneamente crescera, ao pé duns carrascos. Também no Casal Saloio de Outeiro de Polima, o Centro de Interpretação do Espaço Rural de Cascais, se implantou no pátio interior uma oliveira e uma alfarrobeira, árvores simbólicas, na intenção de lembrar que, nessa região saloia, muito sangue algarvio ainda corre. A do Casal não vi bem como é; a do meu bairro é brava, não dá alfarroba de jeito, não floresce como deve ser para atrair abelha.
            O que, de facto, mais me encanta na alfarrobeira é precisamente esse cheirinho acre, bem activo, das suas flores e as abelhas a não resistiram ao convite dos suculentos estames. A do meu bairro não tem.
            Comi alfarrobas em criança, quase por brincadeira (confesso). Um sabor áspero, farinhento… Dispomos agora de licor de alfarroba, de biscoitos de alfarroba, de creme de alfarroba, tabletes... E pugnamos para que a ladroagem se não atreva a varejar árvores alheias…
            Diligenciei, com êxito, para que a palavra ‘folharasca’ entrasse no Dicionário Digital das Língua Portuguesa em permanente actualização pela Academia das Ciências de Lisboa. Foi acolhido, como regionalismo algarvio, no sentido de «conjunto das folhas secas da alfarrobeira caídas». Aí se justifica a inserção com a seguinte passagem d’O Dia dos Prodígios, de Lídia Jorge: «Macário caiu de joelhos às abas de uma alfarrobeira submersa em folharasca» (1995, p. 195).
            Rezam os outros dicionários que – como se suspeitava – a palavra vem do árabe: al-carroba, alkharrub. Por isso não estranhamos em ver escrito num rótulo CAROB – qual tentação mediterrânica! E que tentação, senhores!

                                               José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 331, 20-06-2024, p. 13.

3 comentários:

  1. Viva Prof. Um mês ausente... A falta que nos fez. Abraço
    Maria Helena

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  2. Adorei ler. Saboreei, ainda Há pouco, uma fatia de uma deliciosa tarte de alfarroba que me disseram ter origem em fabrico particular de S. Brás de Alportel. Registei o termo "folharasca".

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  3. Olá, Maria Helena! Sim, estive ausente daqui, do blogue, porque houve uma pausa na publicação do jornal «Renascimento». Mas sabe que pode sempre encontrar-me em duaslinhas.pt, onde estou muito mais assíduo. Gostei de saber de si!

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