sexta-feira, 21 de junho de 2024

Renascimento

             Já são mais de 300 as crónicas que este jornal me albergou e ainda não me interrogara sobre qual o motivo porque lhe terão dado esse nome. Constará das crónicas; estará, eventualmente, explicado no editorial do 1º número. Prefiro, todavia, atribuir-lhe eu uma razão, passível – ou não – de acertar no prognóstico.
            Explico-me.
            Nas pausas da escrita, deambulo pelo jardim e admiro o evoluir das plantas e, sobretudo, das flores: ontem, era botão, hoje desabrochou; ontem, ostentava as pétalas ao vento num chamariz de insectos para os estames gulosos, hoje está com vontade de me dizer que o seu ciclo vistoso por ora acabou. Mal a luminosidade dá em diminuir há pétalas que se recolhem, como pestanas a proteger a visão, há folhinhas que se encostam umas às outras, num acoitar protector…
Cycas revoluta
          
            Muito me apraz saudar, pelos finais de Maio, a cycas revoluta, nome científico de uma palmeirinha anã, de jeito pré-histórico, qual bonsai. O nome comum é sagu-de-jardim. Do tronco lhe saem compridas folhas, alargando-se em pavoneante copa. E por esses finais de Maio, chama-me: é que o meio do tronco se prepara para eclodir e, mui suavemente, em movimento lentíssimo e imperceptível, as folhinhas muito chegadas unas às outras, protegidas por um manto de penugem (dir-se-ia), vão crescendo e desprendendo-se. Fotógrafos especialistas da vegetação decerto já puseram uma câmara ao pé para, no decorrer dos dias, a objectiva ir disparando e proporcionando, assim, a visão acabada do que é, a meu ver, uma verdadeira maravilha. Semanas após semanas, até o verde viçoso se espreguiçar em leque.

            Daí me surgiu a palavra. «Renascimento», para título de jornal regional, é auspício e é programa de luta:
– auspício, por cada número veicular notícia de iniciativas inovadoras, vontade de renovação dinâmica;
– programa de luta, porque há que espicaçar os menos audazes, sugerir outros caminhos, apontar metas, sacudir da modorra em que amiúde há a tentação de se ficar.
A carruagem está em andamento? Deixemo-la ir, que a inércia se encarregará do empurrão. Não é verdade: o movimento da inércia não é, como poderia pensar-se, mais veloz à medida que se aproxima do fim: vai adormecendo, adormecendo. E esse adormir já não interessa a ninguém.

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 866, Junho de 2024, p. 10.

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