Confessava,
há dias, a um amigo a minha enorme costela de preguiçoso: procuro sempre escolher
os caminhos mais fáceis, dou vazão quase imediata aos assuntos simples… «Este
já está! Vamos a outro!». A pessoa fica aliviada e pode preguiçar um pouco
antes de se meter noutro embaraço.
Desse
amigo recebi, em resposta, uma frase lapidar:
«A preguiça é um
direito para quem trabalha!».
E
mais preguiçoso fiquei.
Porventura,
mais consciente de que muita razão tinham os Romanos, quando procuravam
conciliar o ‘otium’ com o ‘negotium’, um o contrário do outro, para
contrabalançar.
Por
isso me alegrei esta semana, ao receber carta de uma colega brasileira:
aposentada há já algum tempo, está agora com um dos filhos a descobrir,
finalmente, a terra italiana donde seus antepassados fugiram para o Brasil, por
ocasião da II Grande Guerra. E recebi uma outra, de um casal amigo, francês, aposentados
desde há pouco: andam a descobrir o Peru!
Por
isso, há tempos, pus a cabeça entre as mãos, ao saber, de dois outros grandes
amigos meus, ele e ela. Ela, então, muito da minha amizade, cúmplices de muitas
andanças. Outro dia, num jantar, explicou-me ele porque se haviam divorciado,
embora continue a gostar dela. É que vivia para o seu trabalho: ela, docente,
não tinha tempo para ele.
– Vamos dar um
passeio?
– Desculpa, não
tenho tempo, tenho um monte de testes para ver.
Era sábado,
hipoteticamente dia de pausa…
Conclusão: vadiar
é preciso!
O
tempo atmosférico não está, de facto, agora para vadiagens ao ar livre, porque
tanto há calorzinho agora, como, daqui a pouco, surge, de repente, no
horizonte, uma nuvem bem cinzenta e dá em despejar-nos o cântaro em cima! O
segredo está no aproveitar: há uma nesga de sol? Vamos dar já um giro! Se
houver horários a cumprir, paciência! Vamos aproveitar quando os não haja,
porque, é verdade, vadiar é mesmo preciso!
José d’Encarnação
Publicado no jornal Renascimento (Mangualde), nº 867, 15-07-2024, p. 10.
Boa noite Zé
ResponderEliminarEu adorei este texto! Devia colocar aqui entre parêntesis (mas onde já se viu uma exortação à vadiagem?) que o otium ajuda o negotium, logo, toca a ociar, se me permites o paleologismo.
Se eu pudesse ociava de manhã à noite, porque dá boas cores e é mesmo "um direito para quem trabalha" depois de muito ter trabalhado.
Mas de manhã à noite também será exagero, não é? Bom pelo menos "otium cum dignitate", como sugeria Cícero.
Noite muito feliz. Um beijinho.
Vadiar é não só preciso, como é um direito e uma importante conquista civilizacional. Abraço
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