quinta-feira, 5 de junho de 2014

Alportel – os caminhos das suas gentes

            Constitui para mim honra suprema poder usar da palavra nesta circunstância em que solenemente se celebram 100 anos da elevação de Alportel a concelho, categoria administrativa alcançada pela tenacidade de quantos souberam demonstrar que este território e as suas gentes detinham, de facto, identidade própria e queriam governar-se por si.
            Os ventos agrestes que sopram duma capital teimosamente voltada para o seu umbigo, alheia ao sentir do Povo, que por isso mesmo também lhe volta costas, pois se não reconhece no paradigma adoptado… esses ventos agrestes (dizia eu) vão contribuir para mais unir os são-brasenses em torno desta sua identidade.
            Portus, lugar de passagem, entrada e saída, em tempo de Romanos – e a Calçadinha aí está a demonstrá-lo, como outros microtopónimos são-brasenses; Isn Burtala, pátria de Ibn Ammâr, em tempo de Árabes – Alportel (nome que foi do concelho até não há muito tempo [no meu BI durante anos a freguesia era S. Brás, o concelho Alportel!...], se quiséssemos atribuir-lhe um gene, um ADN (como hoje se diz), quiçá não andemos longe da verdade se lhe apontarmos um carácter andarilho. Gosta da sua terra, sim; mas, assim plantado no fértil Barrocal, chama-o o mistério do que para lá da Serra estará; sedu-lo a aventura de se abalançar oceano afora – que daqui se vislumbra a ria, o Norte d’África (Marrocos!) está mesmo ali, os Açores com nossas gentes se povoaram e – porque não? – Brasis, Venezuelas, Canadá e mesmo os Estados Unidos… pareciam ao alcance duma remada!...
            Para essas bandas se partiu primeiro; depois, foi a aventura da Europa (França, Alemanha, Suíça…). E sempre o «para lá da Serra», a fim de se ensinar a experiência da cortiça – que estivera, aliás, na base do grito libertador. E uma outra experiência sábia, a de elegantemente esculpir o calcário, pela mão dos seus canteiros. Abalaram!
            Sair, partir trazia consigo, por necessidade, a ideia de acolher e ser bem acolhido. Por isso, o concelho de S. Brás de Alportel não atraiu só pela amenidade do clima e ímpar beleza da sua paisagem: desde mui cedo se notabilizou pela excelência do acolhimento! Parte significativa dos residentes pertence a comunidades estrangeiras que, ouso garanti-lo, se sentem já bem integradas na comunidade local, onde facilmente começaram a poder desenvolver as suas actividades. E se o acordeão foi mensageiro de melodia que ora mui oportunamente se reabilita – é a música, são as artes plásticas, é o gosto pelo património cultural que a todos nos congrega.
 
            ‒ Que vamos fazer nestes 365 dias de comemorações?
            Cimentar identidade!
 
            Que significa contribuir, por todos os meios, para revitalizar raízes –
  • as dos que nos escolheram como terra de adopção;
  • dos que continuam a optar por aqui viver (nascer, crescer, produzir…);
  • dos que, tendo partido, ora é chegada a hora de regressar e com eles trazerem netos e descendentes.
            Para que
  • os nossos montes sejam mais habitados;
  • as vetustas casas reabilitadas;
  • as terras voltem a dar pão;
  • alfarrobeiras, amendoeiras, figueiras, medronheiros, azinheiras melhor  nos possam oferecer, em fecundidade e abundância, seus apetitosos frutos;
  • e para que, pela Serra, não se plantem mais eucaliptos nem pastem desvairadas chamas, mas medre, cada vez mais, mui salutar e harmónica autóctone biodiversidade.
            Enfim, para que, em uníssono, todos possamos proclamar:
                                               É S. Brás o nosso lar!  
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Nota: Texto da intervenção que me foi dado fazer, no passado dia 1, na sessão solene comemorativa do 1º centenário da elevação de S. Brás de Alportel a concelho. Foi publicado em Noticias de S. Braz nº 211, 20-06-2014, p. 21.

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