Vingou-se a romãzeira. Aproveitou de imediato o sol primaveril e toda ela se vestiu de pequeninas folhas verdes e até fez aparecer, aqui e além, uns botões rosados a prometer romãs.
Estava
farta do desaforado jasmim, todo a pavonear-se em flor, a rir-se dos seus
delgados tronquinhos nus. As vizinhas passavam «Hum! Que cheirinho bom!» e à
romãzeira nem ligavam! Já se não lembravam que, há meses, lhe haviam apreciado
a beleza das romãs! Prometeu que depressa renasceria para lhes dizer como,
afinal, também bonita era a sua verdejante roupagem.
Vieram
divinalmente a calhar estes dias de sol. A passarada está mais alegre, as plantas
espreguiçam a folhagem e nós próprios, os humanos, após forçados confinamentos,
nos apetece ir por aí, a renascer!
E
houve quem pensasse nesse tal de Renascimento. A equipa da Egoísta, revista da sociedade
Estoril-Sol (III) – Turismo, Animação e Jogo, S. A., foi precursora. Logo o
número de Dezembro foi, mui sintomaticamente, dedicado ao Renascimento. Sim, esse
de Leonardo da Vinci e de Rafael, que foram génios e ainda hoje como tais nós
os consideramos. O Renascimento de há 500 anos, sim, mas lição ainda hoje:
importa renascer sempre, sempre!
Vale a pena
folhear pausadamente esse número da Egoísta.
Pergunta Mário
Assis Ferreira, no prefácio:
«E será que, neste
hodierno mundo em que vivemos, a perenidade do Ser ainda sobrevive à
transitoriedade do Ter?».
E responde:
«Quero pensar que
sim!
Quero acreditar
que a Arte, a Cultura, nos humanizam e, nesse sortilégio de humanização, nos inspiram
a rasgar, em pórticos de luz, a redentora visão de que renascer é preciso!
Quero, enfim,
imaginar o Ser como um livro escrito por Deus, um livro cujo epílogo nos impele
ao reencontro com nós próprios, com a raiz do que somos para além do que aparentamos
ser»…
ooo
Pela calada, a
romãzeira jurou pedir meças ao jasmim; pela calada, sem alarde (que é como eu
gosto!), os responsáveis pela «coisa pública» olharam para aquele troço do vale
do Rio dos Mochos, entre a Avenida Raul Solnado e a Rua Gomes Leal, entre o
Bairro da Pampilheira e o lugar da Torre e deram conta de como era, também ele,
susceptível de renascer. E mostrar-se!
Nicho ecológico privilegiado
de muita passarada, altos pinheiros, uma figueira aqui, um medronheiro acolá, aquele
rincão não podia estar assim, ao abandono. Ou melhor, sem que, além da
passarada, os vizinhos dele pudessem usufruir! E, se bem o pensaram – e pensaram
bem! – melhor o fizeram!
Dentro em breve,
portanto – obrigado, Amigos! – ser-nos-á possível passear serenamente num
ambiente ímpar, pelo caminho de saibro, sabiamente ladeado de árvores recém-plantadas,
bancos para reconfortante pausa na caminhada, mesa para bem saborear a merenda.
Providenciou-se pequeno parque de estacionamento a meio da Rua Joaquim Ereira;
pode por uma ponte atravessar-se o ‘rio’ (vamos imaginar que vai cheio, deserto
por abraçar o oceano na aconchegada Praia de Santa Marta…) e sorver, a longos haustos,
um ar prenhe de oxigénio!
Abençoado renascer!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal, 24-03-2021, p. 6.
O texto é muito bonito, todo ele ao toque do Renascer. E a propósito da romãzeira dissimulada, que esperou a oportunidade da Primavera para se afirmar à vizinhança vegetal, aqui temos uma bela tessitura de ideias em volta do conceito de ressurgimento mais palpitante, a partir de destroços vários: o lugar, o ser humano, a natureza, todos numa conjunção de energias. Muito grata por esta crónica, ilustre Amigo. Proporcionou-me um belo momento de leitura.
ResponderEliminarHá renascimentos que se dispensavam, como esse parque de estacionamento a meio da Rua Joaquim Ereira.
ResponderEliminarÉ, Maria, um pequeno parque a aproveitar o espaço geralmente mal apresentado ali existente. É como que uma plataforma de acesso ao passadiço e dá, portanto, para quem vier de mais longe, de carro, ali estacionar e fazer a caminhada. Não vejo inconveniente. Mas agradeço a atenção!
EliminarToda a tua escrita tem a delicadeza das flores, o sussurro da natureza que, estação após estação, renasce... qual fénix!
ResponderEliminarRomanzeira....no quintal do meu irmão há uma centenária romanzeira.Vetusta romanzeira! Tão torcida e tão viva.Tantas saudosas recordações à sua
ResponderEliminarvolta.Como é possivel que uma simples árvore tenha tanto para contar?...ah se o fizesse!
Um texto a apelar ao renascer que a Primavera nos traz, à esperança em outros dias.
ResponderEliminarBoa Pascoa querido amigo
De: Ana Clare
ResponderEliminar28 de março de 2021 11:56
Abençoado mesmo.
Por aqui no remanso do meu quintal, pululam melros, pardais, cotovias e demais passarada que nem dá para ver de que espécie são.
São muitos e chilreiam todo o dia numa algazarra de felicidade para eles e para nós, não se chateiam com as nossas idas e vindas à sua volta, já fazem parte da família, comem com as galinhas no galinheiro e são a delícia da minha neta, que só falta dar-lhes a comida à mão como faz com as galinhas.
Bendito tempo de sã Alegria que nos faz esquecer que até estamos proibidos de sair daqui, mas, como bons alentejanos, não nos chegando o bendito do quintal, ainda nos aventuramos por esses campos fora na busca das benditas ervas que nos servem de alimento e é um ver se te avias de acelgas, espargos, cilarcas, cardos e poejos que nos enchem a pança.
Oh... raça bendita de alentejanos duma figa que tudo lhes enche o papo!
Como vês, a Primavera por estas bandas também faz estragos na barriga e nas pernas dos que já custam a subir as chapadas (montes) cá do burgo.
É uma alegria para avós filhos e neta, sempre desejando que chegue o final de semana para nos aventurarmos por esses campos de Valongo e arredores.
Já escolhemos o recinto onde iremos fazer os nossos piqueniques esta Primavera e Verão, junto ao Degebe, um local aprazível onde iremos estender as mantas e colocar a mesa para o repasto e onde os mais velhos irão pescar, sim porque alentejano que se preze quando vai para o campo tudo traz para casa, como diz o Zezinho "para casa até pedras".
E está a ser assim a nossa reclusão aqui pelo Alentejo profundo.
Claro que me lembro de vocês, e quando isto passar têm mesmo de vir até cá regalar-vos com tudo isto.
Beijinhos e aproveitem o vosso nicho que nós faremos o mesmo com os nossos campos.
Ana
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