Não, não vou afirmar que – se não se
resolver a contento de todos o apoio urgente ao Museu do Traje de S. Brás de
Alportel – vai ser o fim do mundo em cuecas, porque a solução virá depressa e a
contento de todos, para bem de uma vetusta instituição que a todos os
são-brasenses muito honra e muito prestígio nacional e internacional traz à
vila. Tenho a certeza de que o bom senso imperará e que não será mesmo esse fim
do mundo!
Alembrei-me desta frase, que meus
pais diziam amiúde em tom de chalaça, quando se referiam a uma situação
passada, hilariante ou de mui difícil solução, ou mesmo a uma situação futura
que se previa embaraçosa ou complicada: «Isso vai ser o fim do mundo em cuecas,
moce!».
De facto, para mim, criança,
imaginar o fim do mundo era complicado, não tinha a menor ideia como é que isso
seria, embora, como também então ouvia, o Bandarra tivesse profetizado que, se
o primeiro fim do mundo fora pela água (referia-se ao dilúvio universal), o
segundo seria pelo fogo. E, se calhar, com estas histórias do aquecimento
global, é capaz de o sapateiro de Trancoso não ter andado muito longe da
verdade. Certo é que – também os meus pais e avós me diziam… – ele, ao morrer,
teria dito «adeus mundo até mil que aos dois mil não chegarás» – e chegou! Aqueloutra
profecia de todas as estradas se vestirem de luto tem sido interpretada como o
revestimento negro do alcatrão, essa pode dar certo…
Mas isso de o fim do mundo obrigar
toda a gente a estar em cuecas é pantominice, claro, hilariante, de gargalhar
até mais não…
Pensava eu que a frase era cá das
nossas, familiar, sem foros alguns de publicidade nos livros. Enganei-me! Fui
ao Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, editado pela minha Academia
das Ciências de Lisboa e lá estava, no vocábulo «cuecas», ‘ser o fim do mundo
em cuecas’, atribuindo-lhe o significado de, em linguagem ‘familiar’, ‘ser uma
grande confusão, uma grande trapalhada’. Ora toma! E eu que julgava a minha família
dona da expressão!... Pretensiosismo é o que era!... Mas, aqui para nós,
essoutra pretensão de ver o Museu do Traje reabilitado e dotado de todo o
carinho que merece essa é pretensão (e não pretensiosismo) de todos nós, não é
verdade?
José d’Encarnação
Publicado em Notícias de S. Braz, nº 297, 20-08-2021, p. 13.
Vitor Barros
ResponderEliminarLi o artigo no nosso Notícias e esse fim do mundo em cuecas é uma expressão que muito me acostumei a ouvir desde pequeno.
Na minha santa ingenuidade e dado que a ouvia junto a alguns ditos saídos das "porfias" do Bandarra eu associava isso ao medo e à noite... Ora pensava eu que o fim do mundo viria de noite, às escuras e com toda a gente deitada e a dormir.. em cuecas! Daí o fim do mundo em cuecas.. Abraço!
Julia Fernandes
ResponderEliminarObrigada, Zé, por me lembrares uma expressão da minha infância. Lá em casa era muito usada especialmente quando a minha mãe zangada ameaçava ficar ainda mais zangada. Comigo e com o meu irmão por alguma malfeitoria infantil.
Helena Ventura Pereira
ResponderEliminarEstava aqui a pensar nos caminhos que pode percorrer um texto tão bem estruturado como este. Do Museu do Traje de S. Brás de Alportel a precisar de financiamento, somos levados ao fim do mundo em cuecas, uma expressão tão nossa, de há tantas gerações, que sendo levada, de certo modo, para o lado humorístico, nos remete logo para uma eventual tragédia que colha as pessoas de surpresa, sem tempo para se vestirem.