Era manhãzinha bem cedo. O comboio regurgitava de gente a caminho do
emprego. Já se haviam todos levantado há mais de uma hora e o relativo silêncio
da carruagem convidava ainda a um passar pelas brasas, por terem sido escassas
as horas dormidas e muita a atarefação
a preparar a saída.
A criancinha, de uns dois aninhos, gozava dos momentos (se calhar, quase
únicos na sua jornada…) em que usufruía da disponibilidade conjunta de pai e
mãe. Na brincadeira, balbuciava pala vras:
«Dabadabadaba!»… E os pais respondiam-lhe no mesmo tom e sorriso: «Dabadabadaba!».
Não sei se era alguma pala vra da sua
intimidade, uma daquelas que a gente inventa para fazer miminhos ou se, ao
invés, a menina já estava a começar a fala r
e essa era uma das pala vras que assumira dessa forma infantil. E lembrei-me logo daquela
prática, que por vezes temos, de dar às coisas, perante a criança, o nome que
elas lhes dão, em vez de lhes ensinarmos logo, sem insistências mas com convicção e naturalidade, o nome verdadeiro. Claro que o gato
pode ser o «miau»; mas… porque não há-de ser o ‘gato’ ou, se tiver nome, mesmo o
nome dele?
Quando, após os beijinhos e mais uma ternurinha, a mãe saiu e o pai ficou
com ela:
– A mamãe!... A mamãe!...» – choramingou. E o pai, então, falou com ela,
serenamente, em linguagem norma l; e a
criança também voltou a fala r naturalmente.
Portanto, fiquei mais satisfeito. Fora apenas mimalha brincadeira e os
pais estavam bem conscientes do melhor processo de aprendizagem.
O António tem em casa um peixe que canta o «Don’t worry be happy» e que
faz, por isso, as delícias do neto. Para o neto, porém, aquilo não é «o peixe»
nem o «Big Mouth Billy Bass», o «singing fish» que até está no youtube; é, mui
simplesmente, o «Biá»! – porque, desde pequenino, o que fixou foi o «be
happy!».
E não é que fixou muito bem? Que mais queremos nós para as nossas
crianças senão que elas sejam… biás! Felizes, num crescimento sereno, em que a música
(porque não?) ocupe sempre um lugar primordial. Mesmo que veiculada por um peixe
de que só muito mais tarde (e se for para Biologia…) poderá vir a saber que é
uma espécie típica da América da Norte, de seu nome científico Micropterus salmoides, da família da
nossa vulgar achigã!...
Publicado no
quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 593, 15-05-2012, p. 10.
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