– Parte-se do princípio de que os autores dessas leis são pessoas
normais, pensantes e também são técnicos que estudaram nos livros e na realidade;
– Parte-se do princípio de que os agentes da autoridade existem para ajudar
o cidadão a cumprir a lei e não para assumir como seu objectivo principal dar
caça aos possíveis infractores.
É melhor escrever: partia-se desses
princípios, porque, no actual momento da nossa dita «democracia», as excepções
a esses princípios são tantas e tão flagrantes que mais vale pensar que tais
princípios caducaram e foi o contrário que se arvorou em norma quotidiana.
A caça à multa
Exemplo
paradigmático foi o que ocorreu no dia 26 de Julho, p. p.: gigantesca acção de
«caça à multa» foi montada por todo o país, previamente orquestrada para, no
dia seguinte, as entidades embandeirarem em arco e informarem a Comunicação Social
dos milhões de euros que haviam arrecadado.
Bem andou o nosso prezado colega Correio
da Manhã, quando chamou o tema a manchete de primeira página, dando-lhe o nome
adequado: «Caça à multa rende…».
Bem andou também o nosso prezado colega nestas colunas, Rui Rama da Silva,
ao referir, que, em teoria, ou seja, de acordo com a lei, parte significativa
do montante dessas multas deveria ser aplicada na beneficiação da rede viária nacional,
aspecto que foi filosoficamente omitido no comunicado oficial, porque… não há,
da parte do Estado, a menor intenção de cumprir a lei.
E, perante o que se viu, mais uma vez
ficou demonstrado que o que se pretende não é ajudar o cidadão mas sim puni-lo.
A polícia assume-se como agente repressivo e não como agente persuasor, amigo, colaborante…
E, por mais que, depois, lhe venham cantar outras loas, o Povo sai-se com esta:
«Cantas bem, mas não me alegras!». E, infelizmente, detém inteira razão
As incompetências dos técnicos
Raro
terá sido o condutor que, ido de Cascais para o Estoril, tendo passado diante
do Hotel Miragem, não tenha sido autuado, na manhã desse fatídico 26 de Julho
de 2012, por ir em excesso de velocidade.
Vejamos, então, o que determina a sinalização
preconizada pelos técnicos.
De Cascais para o Estoril, duas
placas assinalam «velocidade controlada»; como as palavras têm a acompanhá-las
a representação de semáforos, o condutor vulgar pensa: «Se eu for a mais
do que o permitido – e, na marginal, o habitual é 70 – o semáforo cai; está
bem». Eis senão quando aparece a placa dos 50, a escassos metros dos semáforos.
Foi aí, claro, que, escondido na simpática vegetação fronteira ao hotel, estrategicamente
se prantou o carrinho com o radar. Portanto, desde que o semáforo esteja verde,
o condutor é levado a acelerar, porque é uma subida e a visibilidade excelente.
Aceleras? És multado! Trigo limpo! Vais a 76 km/h ? Paciência, Senhor Condutor,
passe para cá 120 € (cento e vinte euros)! E é o mínimo que hoje lhe aplico,
que podia aplicar-se mais!...
Coitado do agente, não tem culpa! Se
calhar, até tem mulher e filhos, um ordenado miserável e a certeza de que os
condutores que, nesse dia, cumprindo ordens, multou lhe terão rogado pragas
imensas e o terão enviado para as profundezas dos infernos!...
É maldade cruel!
E quase apetece sugerir: «Façam,
amigos, façam isso todos os dias! Não é uma forma limpa e fácil de engordarem
os esburacados cofres do Estado! Façam!».
Mas, claro, aquilo está assim porque
houve técnicos assaz competentes que assim acharam que devia ser. Até porque
essa bendita placa, assim colocada ali, parece que terá validade até para lá de
S. João. Há outras, também de 50, na Poça; mas essas fazem disparar o semáforo,
o que ali se compreende: é zona de entrada e saída da praia. Mas há muito sítio
para pôr radares de multa, para não ser sempre no mesmo, que a malta depois
habitua-se e já não pode fazer apostas: «Onde é que os gajos vão pôr o radar
hoje?».
Aliás, já que estamos em maré de
sugestões – a exemplificar também a competência dos técnicos de trânsito (no
caso seguinte, creio que camarários) – outro local onde podem caçar condutores é
na descida da 25 de Abril, em Cascais. Porquê? Porque a velocidade máxima aí permitida
é 30 Km/h .
30 Km/h ?!
Isso mesmo!... Você já lá passou a 30 km/h ? Eu, noutro dia, tentei e levei cada
buzinadela!...
Mas a placa lá está, desde o tempo
do senhor Judas, porque por ali circulava, a 30 km/h , o trenzinho tranquilo
da tranquila voltinha à vila. O trenzinho sumiu; a placa ficou!
Vasculhando bem, situações destas multiplicam-se,
porque (ao que parece) os técnicos de trânsito lêem muitos livros, mas…
esquecem-se mesmo de ler a realidade!
[Publicado no Jornal de Cascais, nº 320, 29.08.2012, p. 6].
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