sexta-feira, 3 de junho de 2016

As artes semeadas...

            «Autodidacta». Já muita vez li a palavra e quiçá nunca lhe tenha atribuído, algum dia, o valor que lhe está inerente.
            Pode interpretar-se num sentido pejorativo: «Não careci de mestres, tudo aprendi por mim, pronto!». Detém, todavia, a meu ver, no currículo de um artista, uma confissão de humildade: «Fui aprendendo por mim, subi a pulso a encosta, aceitem-me como sou!»…
            Nélio Saltão autodidacta se confessa. E quem com ele priva reconhece facilmente que essa sua afirmação vem aureolada de mui profunda modéstia.
            Nos catálogos das exposições se pode seguir com facilidade o seu percurso e nelas amiúde se assinala que o cropiê do Casino Estoril – seduzido, porventura, pelo variegado colorido das fichas que manuseava – cedo começou a sonhar pintura.
            Explicitam-se nos catálogos as correntes artísticas por que naturalmente foi evoluindo desde o sugestivo pormenor daquela natureza-morta à geométrica densidade colórica duma exposição como Red (Galeria do Casino, Janeiro de 2008 – um catálogo a ciosamente guardar) ou mesmo Ancorados (Centro Cultural de Cascais, Março de 2015), homenagem a uma Cascais de pescadores por cuja manutenção insistimos em lutar.
            Ignorante sou de teorias artísticas; e acredito que serão cabalmente compreendidas pelos especialistas frases como esta, convocada precisamente para a exposição Red: «A presente fase parece abdicar das formas convencionais para se afirmar em composições parceladas nas quais as cores se exibem numa alacridade exaltada ou se apagam na serenidade das magníficas variações tonais». Eu não as sei escrever. Contudo, a circunstância de essa exposição Red trazer dedicatória a Robert Mahler evoca uma faceta assinalável de Nélio Saltão: a sua enorme vontade em aprender, em estudar, em ver e perscrutar e, sobretudo, em ouvir ‒ atitude que, todos sabemos, cada vez menos se pratica.
            E é aqui que entra o Dr. Nuno Lima de Carvalho. A proximidade da galeria em relação ao que foi o seu local de trabalho permitiu a Nélio Saltão beber na fonte, diariamente, preciosos ensinamentos, que ciosamente buscava.
            Para um mestre, a maior alegria é sentir que deixa discípulos; para um director de galeria, se calhar, a maior parte das vezes, o que o consola é o número de nomes sonantes que nela consegue expor. Creio, porém, que – sem desprimor desse prestigioso objectivo – Nuno Lima de Carvalho pautou sempre a sua actuação num sentido a que, como docente, dou o maior relevo: os salões da Primavera e do Outono e o constante diálogo com os professores das escolas de Belas-Artes sempre visaram a vontade de descobrir novos valores – valores que, depois, ele próprio ia apoiando, dando a possibilidade de ali voltarem a expor, colectiva ou, até, individualmente. O seu sonho de criar um Museu de Arte Infantil ia também nessa direcção, um caminho infelizmente frustrado pela incultura de quem, por vezes, acede às rédeas da governação. Foi Lima de Carvalho lançando sementes; muitas germinaram bem e deram frutos ubérrimos!
            Justo é, pois, justíssimo até, juntar Nuno Lima de Carvalho e Nélio Saltão, aqui e agora. Nélio Saltão reconhece bem quanto deve ao acompanhamento constante de Nuno Lima de Carvalho. E estou certo de que Nuno Lima de Carvalho revê em Nélio Saltão um elo ímpar dessa plêiade de artistas que tem amparado. Um Mestre, na verdadeira acepção da palavra! Parabéns!

                                                                              José d’Encarnação
 
[Abertura do catálogo da exposição ‘Nélio Saltão Ponto Cor’, de Nélio Saltão, 2016-06-inaugurada, a 2 de Junho de 2016, na Galeria de Arte do Casino Estoril].
Quadro de Nélio Saltão

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