Foi Carlos Zel, recorde-se, um fadista cascalense que a morte precocemente arrebatou (1950-2002) e que, precisamente no Casino, se propusera apostar na evocação do que havia sido a grande tradição fadista cascalense, nomeadamente dos anos 50 e 60, em que por aqui o fado se cantava a desoras e fora das portas da capital. Eram essas umas quartas-feiras em ambiente intimista, na sala que fora do wonder-bar, quase em jeito de casa de fado («quem é que vem agora cantar?»…).
Quis, pois, a
Estoril-Sol – pela mão sempre atenta do Dr. Mário Assis Ferreira – fazer
anualmente essa justa homenagem, independentemente de, no grande espaço central
do Casino, também às quartas-feiras, o programa musical incluir fado, tanto da
nova como da antiga geração.
Nesta
15ª Gala, a modernidade veio irmanada com a tradição. E justo é sublinhar que começou
com uma Senhora: Celeste Rodrigues, irmã da Amália, que, com os seus 93 anos,
logrou fazer-nos sonhar com tempos de antanho. De longo vestido negro, começou
com «Ponto Final», de David Mourão Ferreira, música de Joaquim Campos, que
Carlos Zel interpretava, pois para ele mesmo fora feito: «Agora tudo mudou / Eu
sou de novo quem sou / Ela é na mesma quem era». De seguida, a sua criação: «Meu
nome baila no vento / Na tempestade do mar / Vai-me na voz o lamento / Que o
vento anda a espalhar». E deixou-nos no ar, a terminar, dois dos tópicos
frequentes no fado de Lisboa: «a minha roupa mais fria», «a minha casa vazia»…
Desventura, sim, mas numa voz ainda quente, bem timbrada, a perpetuar tradição.
Seguiu-se
Nathalie, a modernidade. Luso-americana, esguia, de negro, voz bem timbrada, o
reencontro da jovem geração com as temáticas de sempre.
Ricardo
Ribeiro já não necessita de apresentações, pois se está a guindar, seguro, no panorama
fadista português. Sempre muito aplaudido o fado «A Entrega», de Pedro Homem de
Melo, que faz impreterivelmente parte do seu repertório. Uma voz potente – que
os técnicos poderiam ter amaciado, porque fado quer-se íntimo, não é?...
Gisela
João cantou sentada a maior parte do tempo, de minivestido. Nunca nos cansamos
de a ouvir e terminou com a nova versão, que nos encanta, da Casa da
Mariquinhas, naquele seu jeito de dizer e de cantar, numa voz quente já
inconfundível.
De
Camané, Raquel Tavares (que trouxe, com orgulho, o xaile de Beatriz da Conceição!) e Carlos do Carmo… que se há-de escrever?! É o Fado! São
o Fado! Brilhantes!
Mas,
se é óbvio que os fadistas deram a voz, os músicos foram sublimes: José Manuel
Neto, na guitarra portuguesa, merece os maiores elogios, pelo seu enorme
virtuosismo. Foi acompanhado por Carlos Manuel Proença, na viola de fado, e por
Daniel Pinto (Didi), na viola baixo. Um trio incomparável, para que também não
regateámos aplausos.
E
injustos seríamos se não tivéssemos uma palavra para o requintado jantar, condimentado,
como vem sendo hábito, com designações fagueiras: «salada de camarão com frutas
e balsâmico de toranja», «tornedó de novilho corado com redução de Vinho do
Porto» e, à sobremesa, «dôme de morango com coco e amêndoa». A preciosa
preparação gustativa, a abrir o apetite para os 21 fados que tivemos a dita de
escutar, precedidos, naturalmente, por uma ‘guitarrada’ que ainda mais
contribuiu para criar o necessário ambiente.
Cumpriu-se
a tradição. Saudou-se a tradição. Abriram-se alas para a modernidade!
José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal 24-06-2016:
http://www.cyberjornal.net/cultura/cultura/musica/a-gala-de-fado-no-casino-modernidade-e-tradicao
[Fotos gentilmente cedidas pela Gabinete de Imprensa do Casino Estoril].
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