sexta-feira, 24 de junho de 2016

A gala de fado no Casino: modernidade e tradição

            Celebrou-se, na noite do passado dia 21, no Salão Preto e Prata do Casino Estoril a 15ª Grande Gala do Fado Carlos Zel.
            Foi Carlos Zel, recorde-se, um fadista cascalense que a morte precocemente arrebatou (1950-2002) e que, precisamente no Casino, se propusera apostar na evocação do que havia sido a grande tradição fadista cascalense, nomeadamente dos anos 50 e 60, em que por aqui o fado se cantava a desoras e fora das portas da capital. Eram essas umas quartas-feiras em ambiente intimista, na sala que fora do wonder-bar, quase em jeito de casa de fado («quem é que vem agora cantar?»…).
            Quis, pois, a Estoril-Sol – pela mão sempre atenta do Dr. Mário Assis Ferreira – fazer anualmente essa justa homenagem, independentemente de, no grande espaço central do Casino, também às quartas-feiras, o programa musical incluir fado, tanto da nova como da antiga geração.
            Nesta 15ª Gala, a modernidade veio irmanada com a tradição. E justo é sublinhar que começou com uma Senhora: Celeste Rodrigues, irmã da Amália, que, com os seus 93 anos, logrou fazer-nos sonhar com tempos de antanho. De longo vestido negro, começou com «Ponto Final», de David Mourão Ferreira, música de Joaquim Campos, que Carlos Zel interpretava, pois para ele mesmo fora feito: «Agora tudo mudou / Eu sou de novo quem sou / Ela é na mesma quem era». De seguida, a sua criação: «Meu nome baila no vento / Na tempestade do mar / Vai-me na voz o lamento / Que o vento anda a espalhar». E deixou-nos no ar, a terminar, dois dos tópicos frequentes no fado de Lisboa: «a minha roupa mais fria», «a minha casa vazia»… Desventura, sim, mas numa voz ainda quente, bem timbrada, a perpetuar tradição.
            Seguiu-se Nathalie, a modernidade. Luso-americana, esguia, de negro, voz bem timbrada, o reencontro da jovem geração com as temáticas de sempre.
            Ricardo Ribeiro já não necessita de apresentações, pois se está a guindar, seguro, no panorama fadista português. Sempre muito aplaudido o fado «A Entrega», de Pedro Homem de Melo, que faz impreterivelmente parte do seu repertório. Uma voz potente – que os técnicos poderiam ter amaciado, porque fado quer-se íntimo, não é?...
            Gisela João cantou sentada a maior parte do tempo, de minivestido. Nunca nos cansamos de a ouvir e terminou com a nova versão, que nos encanta, da Casa da Mariquinhas, naquele seu jeito de dizer e de cantar, numa voz quente já inconfundível.
            De Camané, Raquel Tavares (que trouxe, com orgulho, o xaile de Beatriz da Conceição!) e Carlos do Carmo… que se há-de escrever?! É o Fado! São o Fado! Brilhantes!
            Mas, se é óbvio que os fadistas deram a voz, os músicos foram sublimes: José Manuel Neto, na guitarra portuguesa, merece os maiores elogios, pelo seu enorme virtuosismo. Foi acompanhado por Carlos Manuel Proença, na viola de fado, e por Daniel Pinto (Didi), na viola baixo. Um trio incomparável, para que também não regateámos aplausos.
            E injustos seríamos se não tivéssemos uma palavra para o requintado jantar, condimentado, como vem sendo hábito, com designações fagueiras: «salada de camarão com frutas e balsâmico de toranja», «tornedó de novilho corado com redução de Vinho do Porto» e, à sobremesa, «dôme de morango com coco e amêndoa». A preciosa preparação gustativa, a abrir o apetite para os 21 fados que tivemos a dita de escutar, precedidos, naturalmente, por uma ‘guitarrada’ que ainda mais contribuiu para criar o necessário ambiente.
            Cumpriu-se a tradição. Saudou-se a tradição. Abriram-se alas para a modernidade!

                                                                   José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal 24-06-2016:
http://www.cyberjornal.net/cultura/cultura/musica/a-gala-de-fado-no-casino-modernidade-e-tradicao

[Fotos gentilmente cedidas pela Gabinete de Imprensa do Casino Estoril].

 

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