domingo, 17 de setembro de 2017

Aldeias, as maravilhas de que se fala

             Primeiro, porque a RTP 1 fez amplas reportagens, nas emissões de domingo deste Verão, sobre as sete candidatas a aldeia-maravilha em sete categorias: ribeirinhas, rurais, de mar, remotas, autênticas, aldeia-monumento e aldeias em áreas protegidas.
            As câmaras televisivas levaram-nos – aos que as pudemos acompanhar – a lugares de um encanto insuspeitado, de tradições ancestrais, de modos de viver bem diferentes da lufa-lufa citadina.
            Os caretos de Podence; as praias fluviais; o granito a aconchegar as casas em Monsanto da Beira; o harmonioso casario de Piódão; os deliciosos petiscos típicos de cada terra; a vida comunitária no remoto Rio d’Onor; o casamento perfeito entre Dornes e os braços do rio Zêzere preso pela barragem do Castelo do Bode; aqueles enchidos no fumeiro à moda antiga; o espraiar das vistas pelo Alqueva desde Monsaraz ou por todo o Nordeste alentejano desde Évora-Monte… Gente que são portugueses como nós, que sonham com turismo rural, que gostavam que mais pessoas por ali vivessem e os filhos não desertassem para o estrangeiro ou para a poluição das cidades… Que lição, senhores, que lições!...
            Mas a palavra «aldeias» apareceu não apenas ao domingo nesse programa da RTP 1; foi presença constante em todos os noticiários, porque, por todo o País, as aldeias, pela mão criminosa de muitos (sim, muitos, que não apenas os pirómanos telecomandados…), se viram reduzidas a cinzas, numa aflição, os animais que morriam, que desarvoravam à frente das chamas implacáveis, toda a canseira de uma vida que, de um momento para o outro, virou moitão de cinzas… E o pirómano ou sofre de perturbação mental e tem pena suspensa ou gozou com o espectáculo que provocara...
            Se te serves indevidamente de um pacote de leite no supermercado, és levado à esquadra, pagas multa, sofres reprimenda e corres mesmo o risco de ficar com cadastro. Um pacote de leite. Se, porém, aumentas o descalabro económico do País (ele é o combustível, os milhões de metros cúbicos de água em época de seca extrema, os haveres, a floresta… e, sobretudo, as mortes, a dor d’alma, o sofrimento mental que mui dificilmente irá passar…) corres mui possivelmente o risco de sair ileso de tudo, a sorrir…
                                                      José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 715, 15 de Setembro de 2017, p. 12.

3 comentários:

  1. Manuel de Castro Nunes:
    Estimado Professor José d'Encarnação-Perdoe-me, primeiro que tudo, a minha intrusão na sua página e neste ''post'' em particular.
    Eu instalei-me há cerca de três anos numa ''aldeia maravilha'' do Concelho de Porto de Mós.
    Neste fugaz instante, já consegui congeminar uma meia dúzia de contenciosos com a ''aldeia maravilha''.
    O mais aceso respeita à grosseira violação do limite de velocidade estabelecido pela lei dentro de povoações e mormente ''zonas de convivência''.
    Todos os dias tenho que interpelar ''aldeãos'' que circulam na minha vizinhança a mais de noventa quilómetros horários, num troço de estrada onde o mesmo caminho serve tanto os automóveis como os ''aldeãos'' ocupados no quotidiano dos trabalhos agrícolas, a maioria anciãos, onde convivem com os homens os seus animais domésticos e onde residem pelo menos dois ''aldeãos'' com graves limitações, nomeadamente na locomoção e audição.
    Tudo acontece com a cumplicidade, ora para passiva ora activa, dos orgãos do poder e administração autárquica e de outras autoridades locais e regionais.
    A minha aldeia é sem dúvida uma ''aldeia maravilha'', no que respeita a tudo com que a natureza a contemplou.
    Mas vivemos num país em que o precário nível de cultura cívica, nomeadamente e sobretudo no território e domínio rural, se revela de dia para dia mais preocupante. A revolução de Abril deixou-nos um alarmante débito de cultura, que tarda a contemplar os segmentos mais alheados da República.
    Há dois meses que eu não consigo dormir. O ruído das ''festas'' e o fandango não me dão tréguas. Nunca, na minha vasta experiência cosmopolita, senti o meu sossego tão vilipendiado.
    Sempre que reclamo, junto das gentes ou dos seus representantes, a primeira pergunta que me fazem é: ''O senhor é daqui?''.
    As aldeias são maravilhosas. Só nos faltam ''aldeãos''.
    Sou, na verdade, nesta encantadora ''aldeia maravilha'', um forasteiro. Estou a pensar fugir para Lisboa.




    Resposta de José d'Encarnação:
    Fez muito bem, meu caro Manuel, em pôr o dedo na ferida. A falta de civismo de uns quantos toma formas tão inconcebíveis que até a gente se admira como é que as autoridades não actuam e não defendem o seu património. Vou pôr o seu alerta no blogue - que bem merece ser conhecido. Bem haja! Abraço!

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  2. Jaime Silva:
    Sabe, nasci numa terra pequena, e o exílio de uma parte substancial da população deveu-se a alguns factores curiosos. 1 - é por vezes insuportável viver numa espécie de família alargada, em que toda a gente conhece (ou supõe que conhece) tudo de toda a gente - isto num terrunho razoavelmente alargado e civilizado. As terras pequenas são terreno fértil para os coscuvilheiros e cuscas de todo o género. Experimente ser da terra, ainda é pior! Em Trás-os-Montes existia uma espécie de facebook sonoro assaz divertido(?) e que se perspectivava como tradição oral, oriunda dos antigos e medievais carnavais, e que eram excelente ocasião de nivelamento social e da possibilidade de existência de qualquer diferença. Uma vez por ano, em altos berros, eram contados a toda a população, os usos e costumes de qualquer habitante, desde que alguém lhe achasse graça (os fulanos que desempenhavam o ancestral papel de bobo da corte) tacitamente autorizados a ultrapassar qualquer limite de decência, no "enterro" de qualquer fabiano que lhes adviesse aos olhinhos. 2 - também me parece ser verdade que o amigo é daqueles neófitos, que acredita na bondade natural do ser humano "à la Rousseau", o tal bípede incuravelmente romântico, no que a coisa tem de mais Flausino e piroso. Imagine alguém acreditar na "bondade natural" como peras dependuradas de qualquer pereira! Pois o amigo não se queixe excessivamente da boçalidade local. É tão natural como o Pão de Açúcar ou as cataratas do Iguaçu. Existe, ponto final. Entendo que se refugie em Lisboa. Não presta, mas sempre pode ver mais cirandantes e tomar-se convictamente por civilizado.

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  3. Teotonio R. de Souza
    Já Orlando Ribeiro confessava no seu relatório sobre Goa enviado a Salazar em 1959 que conheceu mais gente boçal em Portugal do que naquela colónia!

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