quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O correspondente – figura a ressuscitar?

             Desde o seu início, no século XVII e posteriores, criaram as academias de índole científico-cultural a figura do académico correspondente.
            Quando, no último quartel do século XIX, começaram a publicar-se gazetas e jornais, com sede nos principais centros urbanos, depressa compreenderam os seus mentores que, para melhor cumprirem a sua missão de informar e, até, de dar relevo ao «outro» país que não apenas o das grandes cidades, a figura do correspondente constituía elemento imprescindível.
            E se as academias mantêm a categoria dos académicos correspondentes, que, mui frequentemente, apresentam nas sessões comunicações de elevado interesse, os jornais, mesmo os locais e regionais, parece que deixaram cair essa prática, não obstante verificarem como foi importante, por exemplo no caso dos incêndios deste Verão, o contributo dado aos canais televisivos pela presença, no local, dos seus «correspondentes».
            Como chefe de redacção do Jornal da Costa do Sol, incrementei essa prática e dispúnhamos, por isso, de informações do interior do concelho que, doutra forma, teriam passado despercebidas e não chegariam ao conhecimento das entidades a quem compete zelar pelo bem-estar da população que prometeram servir.
            Um dos semanários até chegou a lançar «O Cartão do Bom Cidadão», para que o seu detentor fosse o repórter local; mas a iniciativa não teve êxito: primeiro, porque nem todos esses «colaboradores» se disponibilizavam a escrever, porque não tinham «queda», como sói dizer-se, ou por medo de represálias; depois, porque, na própria redacção, nem sempre haveria pachorra para rever um português por vezes mal amanhado, quando a Câmara e outras entidades enviavam a «papinha feita» e isso enchia a edição…
            Outro meio de tornar o jornal mais popular, no sentido de mais «chegado ao povo», é o incremento da secção «Diz o leitor», onde, por medo das tais represálias (os que estão no poder não gostam habitualmente de saber certas verdades e têm a faca e o queijo na mão…), o leitor sempre pode solicitar à redacção que a sua identificação seja substituída pela expressão «leitor identificado». Hoje, que facilmente (e com identificação, aliás…) se escreve tanto nas redes sociais, lógico pareceria que uma secção desse tipo tivesse êxito. É tentar!
            Sempre preconizei que a necrologia constitui, no jornal local, um dos meios mais eficazes de chamar leitores, sabendo-se que ao aumento de leitores corresponde maior aliciamento à inclusão de publicidade, pública e privada. Compreendeu-o perfeitamente, por exemplo, o director do Noticias de S. Braz, de S. Brás de Alportel, a quem falei no assunto, e esse é, na actualidade, um dos seus maiores trunfos.
            Saiu-me espontaneamente a palavra «pública», que é perigosa no momento eleitoral que atravessamos. Arrisco, porém, o que, nesse aspecto, são minhas convicções ou melhor, os meus desejos:
            1º) Deveriam as entidades locais (nomeadamente as juntas e a Câmara) pôr de lado ideologias partidárias e tratar de igual modo os órgãos de comunicação locais, privilegiando a inclusão neles, paritariamente, da sua publicidade institucional ou outra.
            2º) Uma outra sugestão seria as forças políticas em presença comprometerem-se a, pelo menos semestralmente, promoverem uma conferência de imprensa, a fim de transmitirem a sua opinião acerca da situação político-social, as iniciativas feitas e propostas, o que lhes parecia bem ou menos bem e era importante corrigir. Por seu turno, os jornalistas teriam oportunidade de se fazerem eco do que se dizia, dos boatos que corriam…
            Oiço uma voz vinda não sei donde; ou melhor, sei: dos meus «conselheiros íntimos», aqueles entes que sempre nos acompanham e chamam à realidade. E essa voz fez pouco de mim:
            ‒ És um sonhador, menino! Cascais não é S. Brás de Alportel, um dos mui raros concelhos em que todas as forças políticas «têm» voz audível. Esquece!
            Está bem. Vou esquecer.

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 203, 20-09-2017, p. 6.

1 comentário:

  1. Boa tarde, gostei de (o) ler como quase sempre. ter voz audível com este executivo só através de qualquer aplicação "apple" é assim que eles funcionam. E os excluídos tendem a sentir-se fora do tempo e do espaço que também e deles.
    Maria Helena

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