sábado, 16 de dezembro de 2017

Quero colo!

            Os animais. E a atenção que requerem. Assim as pessoas. Recordo, mais uma vez, o meu filho Pedro, que me confidenciou, já adulto, que amiúde lhe vinham à lembrança os momentos em que eu lhe pegava ao colo, em pequenino. E os meus netos também se deliciam com essa atenção.
            O Spike, esse, fica contente se jogarmos à bola com ele, nem que seja por escassos minutos. E é um prazer quando, a determinado momento do passeio – de manhã ou ao final da tarde – lhe digo: «Spike, pára, que o dono vai soltar-te!». E lá vai ele em alegre correria pelo descampado.
Senhora com gato.
Terracotade inspiração popular.
Obra de Foundarte (Mafra)
            Admirei-me, hoje de manhã. O Clyde batia-me na perna, a pedir colo! A irmã, a Bonnie, é que tem o colo permanente da dona ao pequeno-almoço; agora, o Clyde, amputado de uma pata traseira, por via de um cancro, nunca pedira colo e, naquele momento, com a mãozinha: «Quero colo!». Dei-lho – e pôs-se a ronronar, deliciado.
            Privilegiado é o Maio, que se senta na secretária quando estou ao computador e me dá turras de vez em quando e, à noite, adormece ao colo da dona, ao som da televisão…
            Não será, porventura, impunemente, que Nossa Senhora aparece representada habitualmente com o Menino ao colo e Santo António O tem sobre o livro da sua sabedoria…
            Creio que se terá tornado «viral» (como hoje se diz) o vídeo a mostrar todos os membros da família fidelíssimos ao lema de que o telemóvel é o instrumento para tornar perto os que estão longe e atirar para longe os que estão por perto. Contactavam todos com um Além que era deles e o pobre do chefe de família, à cabeceira da mesa, cabeceava com sono, porque ninguém lhe ligava importância. A determinado instante, porém, há um que grita, esbaforido:
            – Tenho a bateria no fim! Tenho a bateria no fim! Um carregador, por favor! Um carregador!
            Serenamente, o chefe de família pegou no carregador que estava atrás de si e entregou-lho. A cena prosseguiu nos contactos para o Além. E o chefe de família, na ceia de Natal, voltou a passar pelas brasas.
            Não queremos um Natal assim. Não queremos os nossos dias assim. Não queremos que a ficção ensombre a nossa quotidiana realidade e tolha a atenção a quantos nos são queridos e connosco compartilham, real e não virtualmente, os altos e baixos em que se nos vai o dia-a-dia! Não queremos.
                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 721, 15 de Dezembro de 2017, p. 16.

 

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