Dei comigo a
pensar nas entradas desabridas.
E
foi porque vestira às avessas a camisola interior e só reparei nisso quando já
havia por cima dela a camisa, devidamente metida nas calças, e uma camisola. A
primeira reacção foi:
–
Pronto! Já vesti mal esta porcaria outra vez!
Matei-a,
felizmente, à nascença e, serenamente, fiz o propósito de, na próxima, ter mais
atenção ainda! E, claro, evitar sempre a entrada desabrida.
«Desabrida».
Agora reparo no sentido do termo: desabrida por não ter qualquer resguardo, recato
ou ponderação. «Entrada», por seu turno, lembra-me logo o futebol, onde uma entrada
dita perigosa ou mal intencionada é de imediato punida pelo árbitro.
Punida.
Boa ideia. Será que tem árbitro e punição o uso corrente de palavras ‘feias’
como porcaria e parecidas? Tem, consciencializo-o eu agora, após tantos anos
passados: faz-nos mal! Aumenta o nosso mal-estar; contribui para cimentar
aquela carga emocional negativa que nos ensombra a existência – como o aumento
dos impostos, as guerras, as catástrofes quotidianas, os conflitos sociais…
Quanto a esses, pouco nos é possível fazer; mas quanto a nós, ao nosso íntimo,
à nossa relação com os demais (desculpar-se-me-á o tom), uma atitude serena constitui
válida contribuição para nos sentirmos bem connosco e saborearmos plenamente a
vida.
–
Pronto! É sempre assim, não tens cuidado nenhum! Bolas!
Sim,
é agressão à pessoa a quem nos dirigimos; todavia… não o será ainda mais para
nós próprios? Se omitirmos o ‘sempre’,
o ‘nenhum’, provavelmente se
encontrará outro termo para resolver a situação, sem apoucar a criança, o marido,
a mulher… que, naquele momento, por qualquer motivo, não tiveram cuidado. Ou
nós achamos que não tiveram. Houve um descuido? O próprio descuidado fica magoado
consigo mesmo, não carece que, ainda por cima, nós o critiquemos! E a resposta,
a melhor resposta, para nós e para o descuidado, será não a da entrada
desabrida mas a de encarar a situação e… resolvê-la!
Que
raio de crónica esta, dirá quem me leia. Perdoe-me o desabafo! É que, hoje de
manhã, eu vesti a camisola interior ao contrário e ia perdendo a calma!...
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 767, 2019-12-15, p. 11.
Perder a calma? Perco. Usar o sempre e o nenhum? Tantas vezes...saem sem que o consiga evitar.Entradas desabridas? Já lá vai o tempo, agora nem tanto. Mas esta saborosa crónica tem o condão de nos reconduzir ao caminho da serenidade e do convívio ameno com familiares e amigos. Gostei muito. Recomendo a leitura.
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