terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A Casa do Arqueólogo


           De tudo o que vem – e muito é, como se verá – no volume 27 de «Adufe» referente a 2019, este título me chamou particularmente a atenção e fui logo ler, deixando para trás outros temas a que já se voltará.
            Recordava-me de, no acompanhamento que sempre fiz questão de ter em relação aos vestígios romanos de Idanha-a-Velha (a ‘civitas Igaeditanorum’ dos Romanos), se haver saudado a possibilidade de casas que o Município comprara junto à muralha poderem vir a ser aproveitadas para apoio substancial à investigação. Algo de inovador e mui precioso, atendendo a que Idanha-a-Velha está longe, nos confins do Interior, e de muita coragem se deve vestir quem se decida a lá passar algum tempo a estudar.
            Para além de espaço de reserva para alguns materiais arqueológicos que sempre se encontram, haveria um laboratório para o seu adequado tratamento e, sobretudo, alojamento. Diz no «Adufe» que é uma «casa rústica, recuperada com a subtileza e os traços do seu lugar – dispõe de um quarto de casal, outro individual, com duas camas e uma divisória».
            Fiquei encantado ao verificar que o sonho se concretizara. Agora, é habitar o local. É mostrar como, ainda em pleno dealbar de um século incorrigivelmente urbano, a vida rural, em plena comunhão com a Natureza e no estudo pelo que os Antigos nos legaram, se pode antojar como realidade a viver.
            Aliás, a leitura de mais um número desta revista cultural de Idanha-a-Nova proporciona-nos, na verdade, mil e uma razões para saber que o campo é bom lugar de acolhimento. Na entrevista a Francisco Sarmento, representante em Portugal da ONU para a Agricultura e Alimentação, empenhado no combate às «faces negras da globalização: a fome e a má alimentação» se apontam, por exemplo, caminhos para «quebrar o ciclo da insegurança alimentar e nutricional»: a vontade política e a concertação entre os actores relevantes.
            Lugar ainda para ilustrada reportagem sobre o Bodo de Monfortinho; sobre a empresa Sementes Vivas (nome traduzido, certamente pelo ‘senhor Google’, como ‘Living Seeds’!…), sediada em Idanha-a-Nova desde a sua criação em 2015, destinada a promover a produção de sementes ‘100% biológicas e biodinâmicas’; sobre o ímpar acervo de arte sacra do núcleo museológico da Misericórdia de Proença-a-Velha… E convivemos com a pacatez dos valados de pedra solta, e as patas, os pêlos e os olhos de várias e preciosas espécies de aranhas.
            «Adufe» é assim: um olhar para o nosso Interior profundo. Como deve ser!

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 766, 2019-12-01, p. 12.

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