– E o que é isso que a menina tem no
braço?
Hesitou em responder-me, recebeu o
talão do pagamento e explicou:
– Uma sentença védica!
Traduziu-ma em linguagem de gente,
já não recordo o que era, mas gostei, achei piada e agradeci.
A tatuagem estava nuns caracteres
bem estranhos, lá dos Orientes, e eu, epigrafista militante, não podia deixar
perder a oportunidade de saber mais alguma coisa. Tudo o
que é escrita me interessa e tenho encontrado, não apenas na epigrafia romana
(a minha ‘dama’) mas também noutros locais, motivos de superior encanto. Por
exemplo, no Brasil, onde os camionistas gravam frases nos para-choques das
viaturas. Já esse hábito se baptizou de… «filosofia de para-choque», porque
dessas frases ressumbra todo um modo de encarar a vida, mormente para quem
passa horas esquecidas ao volante! Uma das que mais gosto: «Se me vires
agarrado a mulher feia, aparta, que é briga!»…
Do Oriente, admiro a maneira de eles
escreverem. Que diabo é que passou pela cabeça dos seus antepassados para, em
vez de terem adoptado o alfabeto inventado pelos Fenícios, continuarem nessa de
fazer risquinhos e mais risquinhos que a gente nunca sabe se são letras, se
sílabas, se palavras. E eles escrevem cá com uma velocidade!... Os Fenícios deviam
ter conquistado o Oriente e imposto o alfabeto, é o que eu digo!
Alembrei-me logo dos hieróglifos
egípcios que o Champollion lá conseguiu decifrar por se ter encontrado a Pedra
de Roseta. Aquilo também devia ser cá uma assombração, porque misturavam tudo,
figuras e traços geométricos. E dei comigo também, em Maio de 2005, no Pérgamon
de Berlim, a sorrateiramente acariciar o dorso de um daqueles baixos-relevos de
leão alado com cabeça de homem soberano, a perscrutar toda a superfície restante
pejada de bem estranhos caracteres cuneiformes…
Jurei,
pois, fidelidade ao alfabeto fenício, muito mais terra-a-terra, até porque,
mesmo com siglas e abreviaturas, as minhas inscrições latinas acabam por ser
mais fáceis de decifrar.
Eis
senão quando surgem os emojis! E não há mensagem que os não tenha, porque escrever
dá muito trabalho, podem fazer-se erros!... E, assim, as palavras vão sumindo!
Ele são corações bem vermelhos e de todos os tamanhos, um, dois, quatro, muitos
(amor em torrentes infindas será?); mãos
postas (uma oração?); guindastes (queres vir trabalhar prás obras?); palmeiras
em ilhas desertas, porventura a sugerir quanto me agradaria estar contigo em
tão aliciante cenário!… Um dia, hei-de tirar o curso.
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 329, 2020-11-16, p. 8.
Escrita cuneiforme, no museu Pérgamon, de Berlim. |
Vale sempre a pena das crónicas do professor José D'Encarnação.Aprende-e semprealguma coisa!
ResponderEliminarBem hajas!
Victor Brito
Um gosto ler, como sempre!
ResponderEliminarVitor Barros
ResponderEliminarViva! E lá fui pesquisar o que era isso de védica...
Quanto a esses bonecos que substituem as palavras, que me perdoem, nunca os utilizo e tenho dificuldade em entendê-los até!
Abraço
Felizmente que estas peças foram para Berlim (roubadas, dizem agora). Se tivessem ficado no Iraque?
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