Conta
o historiador Plutarco que um dos sete sábios da Grécia antiga, Tales de
Mileto, tão interessado andava em observar o firmamento para estudar os astros
e o seu movimento que, um dia, ao caminhar de cabeça no ar, caiu num poço.
Um
dos historiadores do grupo parou a observar um ajuntamento. Estranharam os
demais e perguntaram.
– Quis saber o que
se passava. – respondeu. – Que o bom historiador não deve esquecer o mundo em
que vive, para melhor compreender o passado.
Duas histórias,
dois modos de encarar a ciência.
Amiúde, ao lermos
os pareceres críticos de revisores de artigos para revistas científicas (o que
nós, jornalistas, chamávamos de ‘censura prévia’, no tempo da ditadura…),
perguntamo-nos o que pretendem, se não é o ideal que eles próprios não logram
atingir, se não usam antolhos como as bestas que puxam os alcatruzes das noras
para não almarearem e só verem numa direcção, se não sabem quão salutar é a
diversidade de opiniões, até porque sempre há forma de suscitar uma boa
discussão.
Vêm
estas considerações a propósito de os doutores António Rebelo e Margarida Miranda
– coordenadores da edição da homenagem a uma colega, que «tanto deu de si pela
ciência, pela nossa Instituição, pelos alunos, pelos colegas e pelos amigos» –,
ao anunciarem aos colaboradores e aos subscritores da tabula gratulatoria
que os volumes estavam disponíveis, o terem feito mediante circunstanciada
mensagem, em que, além dos agradecimentos, escreveram, a dado passo:
«Queremos
também pedir desculpa por alguma atitude menos correcta da nossa parte no
cumprimento das funções de coordenação, com tudo o que isso implica de pressão,
de insistência, de cumprimento de obrigações, de prazos, de critérios
editoriais. Estai certos e seguros de que mais não pretendemos se não valorizar
o vosso trabalho, dignificando a homenageada, e contribuir para salvaguardar a
elevada qualidade final, imprescindível numa obra como a que estava em causa.»
Despiram,
pois, a roupagem científica e vestiram a de Pessoas que com outras pessoas
estão a lidar, embora hajam confessado não ser «fácil lidar com egos e orgulhos
académicos».
Resultado?
– Dos quase 80
destinatários da mensagem, raros terão sido os que não se sentiram tocados e
não lhes responderam em igual tom humano.
Congratulei-me e
dei os parabéns pelo superior exemplo.
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 788, 1-12-2020, p. 11.
Quando dizemos que os bons exemplos nos devem chegar «de cima», eis um belo exemplo do que isso poderá significar. Abraço e agradecido pela informação.
ResponderEliminarUm texto muito interessante, como é habitual neste blog. Além do detalhe especial das histórias iniciais, e do propósito condensado no final, gostei muito da coragem de realçar esses "pareceres críticos" (quase "censura prévia") tão em moda, infelizmente, e que descaracterizam a opinião dos autores.
ResponderEliminarPerguntas que fazemos.
ResponderEliminarAnalogias que, às vezes, também afloram.
Síntese final com que concordamos.
Bom Natal!