E
dei comigo a pensar na importância do toque.
O
toque entre os humanos, de que a pandemia nos arredou e ao qual, por isso, estamos
cada vez a dar maior relevância. Compreende-se aquele grito, por vezes histérico:
«Não me toques!». De violência doméstica. E «Ai, não me toques, que me
desafinas», como se mui sensível piano fora e a gente pianos desses não quer.
Tudo na conta, peso e medida. Uma carícia, sim! Que é aquele toque mágico,
despertador de emoções, ternuras, enlevos…
Que
se me perdoe o salto. É que todos os animais cá de casa – o labrador, os dois gatos
e até o Baltazar, que é o cágado – todos eles adoram carícias! Pode não se lhes
dar de comer, mas das carícias… não prescindem!
A
magia do toque. O leve tocar de lábios. É como as imagens num jornal: vale mais
que mil palavras. Obrigou-nos a pandemia às palavras. Estas, porém, sem aquele
prazer do tacto acabam por nos deixar de falta. Decerto também será por isso que
das sequelas pandémicas uma se não tem ouvido falar. Essa. Fica-se sem gosto,
pode ficar-se sem olfacto; mas o tacto, senhores, isso é que nos maltratava mesmo!
O pior é que não perdemos o tacto e proíbem-nos de o usar. Martírio como o de
Tântalo; tinha água e quando a ia beber, a estapor esgueirava-se num ápice!... Assim,
hoje. Não nos podemos tocar, só à cotovelada ou de punho cerrado. Saudade do
aperto de mão e do seu puro significado: estou limpo, nada tenho na mão e quero
apertar forte a tua, a selar a amizade que nos une. Como a ternura dos lábios…
Outros são os
toques, hoje. As sirenes das ambulâncias e dos carros da polícia. As buzinadelas
frenéticas, por dá cá aquela palha, os nervos à flor da pele, não há tempo para
esperar. Os toques dos telemóveis. A todo o momento e em todos os lugares. «Desculpe,
esqueci-me de o pôr no silêncio!» – quando há atenção de se pedir desculpa. E os
botões precisam de ter sinal sonoro, para suprir outros silêncios, que a gente já
não consente de ter – e deveria consentir.
Desses ‘toques’
sonoros há dois que particularmente me encantam. O da fonte que tenho na secretária
com a água a cair sem salpicos, como nesse achego de lábios. Melopeia sem monotonia.
O outro, o do relógio de sala, às meias e às horas. Toque brônzeo. Toque
telúrico – que, apesar da forçada ausência de toques humanos, é grande no tempo
a nossa dimensão!...
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 803, 15 de Julho de 2021, p. 12.
O toque...e recuei a alguns anos atrás,pois do que me veio instantaneamente à memória...foram os toques que regularam a minha vida...os toques para a entrada e saidas das aulas. A acrescentar à estridência destes toques somavam- se a fuga aos toques,violentos muitas vezes, dos alunos em correrias pelos corredores estreitos da escola.
ResponderEliminar....como foram importantes estes toques...e antes quando eu própria em criança corria para a sala de aula ....e o toque horrivel do despertador!!!
O toque...como gostei da lembrança que este texto desenrola. É que estamos, eu estou também, quase esquecida do suave toque afectivo, tão enredada nos toques ruidosos exteriores, ou do telemóvel na carteira, a ditadura do telemóvel, que comanda as nossas vidas.
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