segunda-feira, 19 de junho de 2023

Esta Babel em que estamos!

             Chama-se Fonética a ciência que estuda os sons humanos. Linguística é, por seu turno, a forma de os exprimir por signos.

            Admiramo-nos, de vez em quando, com a infinidade de línguas e dialectos – e respectivos signos estranhos – vigentes pelo nosso mundo. Conta a Bíblia, no livro de Génesis (11, 1-9), cujo inspirado autor também terá ficado pasmado ao verificar tamanha diversidade, que foi esse um castigo de Deus, por o Homem O ter querido alcançar, construindo imensa torre, a «torre de Babel». E que castigo! – podemos exclamar nós, hoje, ao sentirmos a dificuldade em nos entendermos nessa verdadeira babel.
A torre de Babel, imaginada por José Luís Madeira

            Foi, em tempos, o Latim uma língua quase universal, em boa parte do mundo dito, então, “civilizado”. Houvera antes, diz-se, o indo-europeu. Em 1887, Ludwik Lejzer Zamenhof criou o esperanto, em jeito de aglutinação, para todos nos entendermos; o inglês aspira, agora, a ser esse elo privilegiado. O certo é que… as diferenças mantêm-se e até se corre sério risco de se acentuarem, haja em vista, por exemplo, o que se passa na vizinha Espanha, com a crescente afirmação do catalão, do basco, de galego, do valenciano… face ao castelhano adoptado há muito como língua oficial.

Vêm estas considerações a propósito das bem oportunas crónicas «Mais linguagem à moda antiga», inseridas por João Lourenço Roque no seu mais recente livro Digressões Interiores 3 (Palimage, Coimbra, 2021). Mostra João Lourenço Roque com inúmeros exemplos como é que a população da sua zona beirã (freguesia de Sarzedas, concelho de Castelo Branco) se exprime no quotidiano, Há expressões  e palavras próprias; mas há, sobretudo, uma forma própria de as pronunciar: o som ar final transforma-se em er – escuter (por escutar), esbarrguer-se (por esbarregar-se)…

Vale a pena sorrirmos com uma das pitorescas frases que cita (p. 34) e que só pronunciada em voz alta se logra compreender:

«Antontem andava a labrar com os bezerros, espindurei a marenda numa carrasqueira baixa, quando dei pela trilha um cão esfrangalhou-me a bolsa toda, comeu-me o conduto e abalou com o pão nos dentes».

 

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 846, 15-06-2023, p. 10.

1 comentário:

  1. Esta matéria é muito interessante e diz-me mais por razões familiares.
    Conheço os falares cerrados daquela zona e lembro-me dos estudos de Maria Leonor Carvalhão Buescu, natural de Monsanto, Idanha-a-Nova.
    Nunca me esqueci da lenda do rê visigodo Wamba, e destas nasalações das vogais e dos ditongos.
    Não conheço o livro, nem o Prof. Doutor João Lourenço Roque, e gostaria, porque muito nos havíamos de rir sobre este assunto.
    Nos sítios onde pernoitei, essa frase ainda seria mais cerrada.
    Foi tempo de aprender palavras novas de que nunca tinha ouvido falar. E de rir até não poder mais, quando uma professora da família, já esfaimada à espera dos peixes que o marido e os irmãos foram pescar à rebêra e nunca mais vinham, entabulou conversa quase impossível com um pastor, mas lá se entendeu com ele.
    Tanto apontou as tetas das cabras e ovelhas e o saco do pão, que o homem ordenhou umas quantas para ela fazer umas sopas de leite no cacharro que ele trazia à cinta, e sobreviver até à chegada dos guerreiros...que nada traziam senão fome...
    Mas o pastor já ia longe.

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