Engalanou-se o Salão Preto e Prata do Casino Estoril com os seus melhores pergaminhos de excelente palco para receber um espectáculo maior, como o é uma ópera de Verdi. Rigoletto ali se apresentou, com êxito, na noite do passado dia 9.
Rigolare significa,
em italiano, rir, troçar, diligenciar para que todos estejam bem dispostos.
Esse, o tradicional papel do bobo, cuja figura caricatural é sempre a de um
anão, aparentemente desprovido de algum senso, de forma que nunca lhe sejam demasiadamente
tomadas a sério tanto frases como atitudes. Enfronhado nos labirínticos
escrínios palacianos, goza o bobo de uma liberdade aos demais não permitida,
pelo que, a rir, amiúde, desvenda segredos e desmascara conluios. Rigoletto,
o protagonista da ópera homónima de Giuseppe Verdi, significa, pois, «o
risinho», designação sarcástica e, simultaneamente, carinhosa.
O
enredo da ópera gira, por consequência, em torno das costumadas intrigas
amorosas que passam por conquistas, raptos e culminam, aqui, em desastrado
homicídio errado: cumpriu-se a maldição que pairava sobre o bobo, que viu
morrer em seus braços a filha amada.
Da ópera faz parte a conhecida ária «La donna è mobile», que celebra a volubilidade sentimental da mulher:
«A mulher é volúvel. Como pluma ao vento, muda de palavra e de pensamento. Sempre um amável, gracioso rosto, em pranto ou em riso, é mentiroso. É sempre um infeliz quem a ela se entrega, quem lhe confia incautamente o coração! No entanto, nunca se sente, plenamente feliz quem naquele seio não saboreia amor!».
O
espectáculo levado à cena no Casino Estoril cumpriu plenamente os objectivos e não
deram por mal empregado o seu tempo quantos ali acorreram e quase esgotaram o
salão. Amiúde, as actuações foram sublinhadas por aplausos – que, aliás, também
se não regatearam, de pé, no final. No caso, são sobretudo as interpretações
musicais que se apreciam e todas mereceram, de facto, esse aplauso.
Lamente-se
que a empresa responsável pela vinda ao Estoril deste grupo de artistas, que nem
sequer vem identificado no cartaz, também não haja proporcionado o rol dos
actores e respectivos papéis. Foi um mau serviço prestado ao Teatro e aos seus
intervenientes. No cartaz apenas se alude à Orquestra Filarmónica de La Mancha,
sob direcção musical de Francisco Antonio Moya; diz-se que Frederico Figueroa se
encarregou da direcção de cena e que a Maria José Molina coube a direção
artística. E quem foi o maestro? Quem fez de Rigoletto com essa potente voz de
barítono? Não se distribuiu o habitual libreto e os espectadores gostariam de
saber quem foi o protagonista, quem a donzela apunhalada por engano, quem o duque
sedutor… Paciência! Houve, porém, o cuidado de passar em legenda luminosa superior
a tradução para um português um tudo-nada desajeitado e com gralhas frequentes
do que se ia cantando em italiano; os cenários mostraram-se singelamente
adequados; a orquestra acompanhou e sublinhou a contento o espectáculo inteiro,
ainda que, como é natural, mais tivesse vibrado, em compasso de valsa, na execução
da ária mais conhecida.
Apesar
de tudo, boa iniciativa a de ópera no Salão Preto e Prata. Venham mais! Nós
merecemos!
Fotografias gentilmente cedidas por Conceição Alves (Casino Estoril).
José d’Encarnação
Publicado
em Duas Linhas, 16.06.2023: https://duaslinhas.pt/2023/06/e-o-bobo-pagou-as-favas/
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