quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O protagonista que todos querem ser!

             O teatro é assim. Traz-nos sempre mui oportunas lições, verberando o quotidiano, obrigando a reflectir, fazendo-nos consciencializar atitudes.
            Poderemos dizer que há peças mais oportunas que outras, muito embora tenhamos que afirmar que são oportunas todas. E, dentre as oportunas, «O Protagonista», do jovem Luís Lobão, é de uma oportunidade flagrante, se tivermos em conta que, no momento presente, na cena portuguesa, vários são os figurantes que almejam ser protagonistas!...
            A peça estreou, para convidados, no passado dia 15, e estará em cena, no Auditório Fernando Lopes-Graça, no Parque Palmela, em Cascais, até 28 de Novembro (sessões de quarta a sábado, às 21h30). É mais uma realização da companhia Palco 13, aí residente desde 2010. Marco Medeiros encenou. A dramaturgia esteve a cargo de Maria João Rocha Afonso e a coreografia deve-se a Inês Afflalo.
            Dir-se-á que a meia hora antes de a porta do auditório se abrir foi bom ensejo para artistas que habitualmente vemos nas telenovelas, nomeadamente da produtora SP, trocarem impressões, darem entrevistas, tomarem um café ou um copo, todos irmanados na vontade de aplaudir os membros da jovem Palco 13, que desejou ser este o espectáculo comemorativo do seu 5º ano de actividade em Cascais.

Um enredo que é uma delícia!
            Afirme-se, desde logo, que o enredo é uma delícia, porque, teoricamente, o espectáculo verdadeiro não se passa diante de nós, mas do outro lado do pano e nós assistimos apenas ao que acontece nos bastidores: as quezílias, os nervos, a maquilhagem, a mudança de roupa («Bolas! Que tenho de calçar três pares de sapatos e esta m… está-me apertada que se farta!»)…
            Sim, o palavreado é a condizer com o clima de nervosismo (tenho de estar atento à deixa para entrar!). E, depois, são os ditos, amiúde retirados de uma passagem de peças teatrais célebres que todos tentam imediatamente identificar para mostrarem a sua erudição… «Shakespeare!... Hamlet!... Rei Lear!»...
            Um ambiente de frenesim. O distribuidor de água de que amiúde se servem (Bolas! Tenho a boca seca!). A mesa da maquilhagem. Os cigarros que se fumam um atrás do outro.
            Dois camarins, um dos quais no piso superior, o da que se supõe ser, afinal, a protagonista, Custódia Gallego, mas não é. Sábia na sua longa experiência:
            - Menina, todos os ‘reis Lear’ são excelentes, mesmo antes de entrarem em cena!
            Lá recebe, um dia, a ternurenta candidata a assumir papéis importantes, porque sabedora de muitos trechos que recita de cor (Sara Matos). O difícil diálogo entre a longa experiência e uma juventude sonhadora…
            No de baixo, a dado momento, a inevitável cena de sedução e, antes, a polémica:
            - Porque havemos de partilhar o camarim? Que chatice! Tem mesmo que ser?
            E outra polémica, de ataque e defesa:
            - Sim, quantas falas te deram? Quantas falas já tiveste na tua vida, quantas, diz lá!...
            Os actores cruzam o palco («Desampara-me o corredor!», grita-se amiúde) numa azáfama.
            E há a artista (Maria Camões) que se evidencia pelo palavrão fácil e pela provocadora lascívia no vestir… E o gordo (Tiago Retrê), que justifica ser gordo porque lhe estão sempre a dar papéis de gordo e, por isso, ele não consegue emagrecer!... Coio So faz juz à sua origem africana para, logo desde o princípio, exibir em passos de dança o seu natural pendor para a expressão corporal que tão bem caracteriza as gentes de África e aqui também foi aproveitada. E, claro, o que é mesmo o protagonista, Romeu Vala, que se balança entre o ser e o querer ser, na angústia de não lhe reconhecerem o mérito… Luís Barros, por seu turno, assume as funções de contra-regra, mandão, autoritário, o aparente rigor em pessoa…

Um retrato real?
            Por detrás do pano, o espectáculo é, supostamente, o D. Quixote. Ouvimos passagens de quando em vez. Aliás, o ‘esqueleto’ do Rocinante também atravessa a cena. Um Rocinante que conhecemos do TEC e não pode deixar-se de assinalar, aqui e agora, que o autor, Luís Lobão, estudou na Escola Profissional de Teatro de Cascais e já actuou no Mirita Casimiro. A experiência vivida durante os seus três anos na escola – com todas as expectativas que então se abriram e as interrogações que aí brotaram – não foi nada alheia ao que em cena se passa.
            Excelente exercício, este! Não é comédia, não é tragédia – é o misto das duas, como o não deixa de ser também tragédia e comédia, neste mês de Outubro de 2015 no Portugal pós-eleições, a exacerbada procura de protagonismo! Uma peça ousada, de crítica acutilante, que põe os dedos na ferida. Inocentemente, sem magoar ninguém, porque os actores são… actores, mestres na arte de fingir. Agora, se em vez do espectáculo teatral, falarmos do espectáculo político… «Como é que é? Sempre me vais dar aquele papel?»… O travo amargo da ironia…

                                                                                José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 113, 21-10-2015, p. 6.

As fotos que seguem - da autoria de Alfredo Matos (bem haja, Amigo!) - pertencem à página do Facebook da companhia Palco 13. Peço de novo vénia para aqui as partilhar, em jeito de complemento ao «álbum» inserido na crónica anterior, publicada em Cyberjornal.
Instantâneo nos camarins. Foto de Alfredo Matos.
 
Luís Barros e Maria Camões. Foto de Alfredo Matos.
 
Romeu Vala e Tiago Retrê. Foto de Alfredo Matos.
 
Sara Matos. Foto de Alfredo Matos.
 
 

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