Sabão
azul e branco, o indicado para as sujidades nas calças de cotim e de ganga.
Lavava minha mãe num grande alguidar de zinco com fundo de madeira, onde, ao
domingo de manhã, tomávamos banho nós. Lavava a nossa roupa e a de vários
trabalhadores solteiros são-brasenses que haviam demandado as pedreiras de
Cascais. Quando podia é que ia ao tanque da aldeia: entre uma enxaguadela e
outra, lá ia também sabendo as novidades…
Lembrei-me
dos grumos, quando, há dias, após o duche, passei pelas pernas secas um pouco
de óleo de amêndoas doces e quis lavar, depois, as mãos com sabonete. Espuma:
cadê? Fazia grumos, como que minúsculas bolinhas… Há anos que a palavra não me
ocorria e fui depressa meter o nariz no dicionário: grumo, «grânulo», derivado
do latim, «grumus», «montículo», «coágulo»; os gregos chamam-lhe «viscoso
coágulo».
Grumos…
E, à noite, ao ouvir os noticiários, ocorreu-me a palavra outra vez: não é que,
nessas andanças políticas, grumos é o que mais há? Será que as águas estão cada
vez mais salobras? Sonhávamos nós com aquela abundante espuma das banheiras
hollywoodescas, sedutora, malandreca, hilariante!… E só nos saem é grumos! As
fitas são outras, bem no sei. Uma seca!
José d’Encarnação
Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 220, Maio de 2017, p. 10.
Teresa Silva 9/5 às 10:44
ResponderEliminarO Português tem palavras tão lindas!
Ana Maria Gil
ResponderEliminarO texto tem descrições que me fazem lembrar o meu imaginário de infância no meu Ribatejo.
Parabéns pela reflexão 👏👏
Firmino Silva
ResponderEliminarNa espuma das coisas, na espuma da vida, grumos é o que não falta...!
E se eu percebo, de grumos, de espumas, depois de tanto ter passado pelas águas salobras, tão diferentes das suas congéneres das nascentes das serras.
Atravessando o Mar Arábico, o Índico, e o Mar Vermelho sob uma infame canícula, com mais 2400 companheiros vindos das plagas do Império já em início de decomposição, tomava-se banho com uma água supostamente dessanilizada pelas estruturas do navio, o velho Niassa, mais apropriadamente chamado a Barca do Inferno.
O sabão com que masturbávamos o desejo de espuma, não fazia grumos, na verdade não fazia nada, a gordura e o ácido da sua formulação esbarrava na resistência coriácia do cloreto de sódio, desfazia-se apenas em coisa nenhuma.
Recordo, sessenta e um anos depois, o verso escrito a lápis grosso na porta de um dos chuveiros por um inspirado poeta:
- " Neste chuveiro marítimo,
Toda a mania se acaba,
Todo o valente dá traques,
Todo o cobarde se Kaga!
Kaga, para quem não se interessa por estas coisas navais, era o nome de um dos Porta aviões japoneses afundados pela aviação americana na Batalha de Midwai, no Oceano Pacífico em 1942.
Em lugar das coisas boas que almejamos, mais do que a água, seja a salobra do Ribatejo, a mal dessanilizada do Índico, e a da restante vida, o que nos vem ao nosso encontro são grumos! Que são aqueles que o caro José d´Encarnação apreenderá nestes dias.