Pois
decidi-me hoje por uma rapsódia de factos que andam no ouvido da gente e que
facilmente se interligam. Só com uma diferença: não há alegre cantarolice.
O
horror do jogo da «baleia azul»; o estranhíssimo complexo de Diógenes, que leva
indivíduos a amontoarem tudo e mais alguma coisa em casa e aí mal se podem
mexer e tudo fede que tresanda e eles não conseguem libertar-se de tanta
porcaria; a administração , nas
prisões, de medicamentos fora de prazo, trazidos não se sabe donde…
Que
rapsódia é esta, senhores?
Quis
sair desse ritmo e fui ao baú dos «assuntos pendentes». E que me saltou à vista?
1
‒ A carta que o actor Ruy de Carvalho, aos 86 anos (eu tive o privilégio de
estar na festa dos seus 90, mui condignamente celebrados a 1 de Março passado),
escreveu aos «senhores ministros» e onde vitupera, a dado passo:
«Hoje,
para o Fisco, deixei de ser Actor… e comigo, todos os meus colegas Actores e
restantes Artistas destes país – colegas que muito prezo e gostava de poder
defender.
Tudo isto ao fim de setenta anos de
carreira! É fascinante. Francamente, não sei para que servem as comendas, as
medalhas e as Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito?
Tenho
86 anos, volto a dizer, para que ninguém esqueça o meu direito a não ser
incomodado pela raiva miudinha de um Ministério das Finanças, que insiste em
afirmar, perante o silêncio do Primeiro-Ministro e os olhos baixos do
Presidente da República, de que eu não sou actor, que não tenho direito aos
benefícios fiscais, que estão consagrados na lei, e que o meu trabalho não pode
ser considerado como propriedade intelectual.»
Olha:
acabou-se o espaço! Apetecia-me ir por aí adiante, a revolver o baú e a dar mil
e um exemplos de como um homem de cultura (professor, escritor, pintor…) está,
em termos financeiros, abaixo do canalizador ou do electricista, por exemplo.
Acedes ao pedido da Câmara Municipal para fazer uma conferência da tua
especialidade: quanto te pagam? Solicita a Câmara o serviço de um canalizador,
caso o não tenha – e nem pestaneja a pagar a deslocação
e as ‘horas’ a peso de ouro… Aliás, também no «Sexta às Nove» da RTP 1 do dia
5, se falou nisso…
Fica
o resto da rapsódia para outra vez! A fim de que a esperança não morra!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento [Mangualde], nº 708, 15-05-2017, p. 11.
Isilda Marques
ResponderEliminarUm ser autêntico, talentoso, simples, inteligente e sábio. São estes seres que fazem falta à nossa sociedade, ao nosso país, ao mundo e nos fazem ter esperança. Raros... Mas felizmente existem, professor. Grata por mais um texto que me encheu o coração. Um abraço com todo o respeito e admiração.
ResponderEliminarMaria José de Matos
O tempo é de fogo-de-artifício... O país não gosta de pensadores! Não lhe dá jeito! É preciso passar da indignação à revolta!