Não
sei quem escreveu a frase, hoje do domínio público, sem que lhe seja possível
determinar paternidade. Para ser completo, o Homem tem que fazer um filho,
plantar uma árvore e escrever um livro.
Máxima
de tal modo entranhada na humanidade que muitos, senão todos, almejariam
escrever um livro: «A minha vida dava um romance», «dava um filme»…
As
«memórias» constituem o género literário preferido por quem teve uma vida
intensa e sente necessidade de a partilhar quer para que se lhe reconheçam os méritos
quer a fim de outrem não incorrer nos erros porventura cometidos.
Assis Ferreira
Referiu-se, na
passada crónica, o que Georges Dargent nos deixou como testamento. «Os poemas
da minha vida», de Mário Assis Ferreira, livro apresentado a 7 de Dezembro de
2016, pode assumir-se como forma diferente de memórias autobiográficas, embora liminarmente
o autor como tal o desconsidere. Primeiro, não foi casual a escolha dos poemas;
depois, os comentários não assumem apenas uma forma (bem ajustada, diga-se) de crítica
literária, porque Assis Ferreira acaba por ceder à envolvência do manto das
recordações:
«Conheci
Vinícius de Moraes em casa de Tom Jobim, numa daquelas sextas-feiras em que,
noite adentro, a música nos embriagava, as horas corriam céleres e era o nascer
do Sol a alertar-nos. Disse-me um dia que sabia ir morrer de cirrose mas queria
antecipar-se na homenagem à morte, abrindo um bar, no Leblon, baptizado de «Cirrose».
Ambas as profecias se confirmaram» (p. 37).
«Fui
amigo de David Mourão Ferreira. Dele recebi, como legado, a saudade irreparável,
a aprendizagem no vício do cachimbo» (p. 54).
Aquela biblioteca móvel…
Não
me sentei ainda ao canto do jardim, a pensar nos livros que me rasgaram horizontes.
Sei que foram livros de papel, que, mensalmente, me deixava em casa a
Biblioteca Móvel do museu, a grande invenção de Branquinho da Fonseca. Salgari,
Júlio Verne, Júlio Dinis, Eça de Queiroz, Jorge Amado…
Decidi
ir agora à estante. Tenho lá uma pasta com a etiqueta ‘Leituras’. Não podia
sublinhar, eram livros de leitura pública, mas anotava o que mais me chamava a
atenção. Folhas A4, dactilografadas
dos dois lados, a um espaço, com fita vermelha (a que menos se gastava), cheias
de citações repletas de abreviaturas. Colho uma, a primeira que me chamou a
atenção, de «Saga», do Erico
Veríssimo (Edição Livros do Brasil,
Lisboa, 4ª edição, sem data):
«Os
homens complicaram muito a vida. Veja… Rádio, jornais sensacionalistas, televisão,
aviões. Pressa, muita pressa. Vive-se depressa, morre-se depressa, come-se
depressa, ama-se depressa, É como se quiséssemos chegar o quanto antes a um
ponto determinado. No fim veremos que não há nenhum objectivo sério. E os homens,
cansados e gastos, vítimas das máquinas e dos mitos que eles criaram, chegarão
à certeza de que é preciso procurar outra coisa».
As
palavras são de Dom Miguel, vêm na pág. 122. Anotei no final da resenha:
«Agosto 1970». Ainda não tinha 26 anos – e sinto de novo, agora, como Dom
Miguel tinha razão!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 289, 2019-07-10, p. 6.
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