Tem
que ser para quem, como António Salvado, vive os dias do ano sensível ao
calendário. Não tanto o calendário de domingo a segunda, de 1 a 30 ou 31, mas o calendário
das festas, das estações (quando elas ainda se distinguiam…), o calendário do
Povo. E o Natal é – queira-se ou não – a festa por excelência e poeta que se
preze forçosamente se deixa inebriar pelo halo de poesia que essa história
dimana. E canta-a nos seus versos. Tem que ser.
Tem
que ser também, porque o Poeta é alguém que sente a necessidade de transmitir
mensagem, de contar o que lhe vai na alma, de envolver os demais na Beleza que
ele próprio hauriu. E o Menino depositado numa manjedoura transmite sentimentos
impossíveis de guardar. Há que irradiá-los, qual flor de pétalas a abrir para
delas se desprender perfume…
Há
um ciclo anual, datado; contudo, quiçá sem intenção, não consta na ficha
técnica uma data explícita. Aliás, explicita o Autor na página 7, que, dos
poemas aqui reunidos, alguns já figuram em livros, «outros em periódicos, e um
ou outro inéditos». Como historiador, sensível portanto ao momento, fui à
procura de datas. Não há. Como não havia na ficha técnica. Que a Poesia,
senhores, quer-se eterna, não é de hoje nem de amanhã, é de sempre!... Neste
caso, numa transposição legítima, a sugerir o desejo: um Natal de sempre, na
profundidade da sua mensagem.
22
poemas. A começar pela Anunciação e a terminar na Mensagem. Significativamente,
a Anunciação foi Mensagem de um voto concretizado e a Mensagem da página 30 é
anunciação de um voto acalentado e que muito se desejaria ver concretizado,
porque… «O Mundo é redondo e cabe num abraço apertado!».
Não
ouso, porém, deixar passar em branco o que o Poeta põe na boca do Arcanjo
Gabriel. Os Evangelhos são de poucas palavras; António Salvado achou que não,
que o Arcanjo teve de dizer muito mais, perante a senhora de espanto em sua
face meiga. E alongou-se nas explicações, aureolando-as do tom mavioso que
importava ter: «Serás a nobre filha de teu filho»!
E
apoiamos docemente as invocadas razões:
«Porque
era tempo que a bondade fosse,
porque
era tempo que reinasse a paz,
porque
era tempo que o amor surgisse» (p. 9).
Celebram-se
depois o musgo, os sinos, a manjedoira, os pastores, a estrela…
E
se o pensamento correu, em dado momento, para os sem-abrigo ou para os
«desgraçados de Pedrógão Grande», compreende-se bem porquê. Aqueles, «deitados
em folhas soltas de jornal e tendo como tecto a luz do céu» (p. 27); estes, atormentados
«com silêncios de mortos corroídos», sonham em fazer o Menino renascer «na
manjedoura que também ardeu» (p. 26).
Por
isso atrás se falava de um Natal de sempre. Um Natal, «ternura dum breve instante
/ que o próprio instante desterra, / morta no facto constante / de tanta de tanta guerra» (p. 28). A guerra!...
Desengane-se,
pois, quem, ao ler na capa «Poemas de Natal», tenha displicente olhar de
soslaio, pressentindo – e, quiçá, menosprezando… – um rol de lugares-comuns.
Fez
bem António Salvado em propor uma edição conjunta do que, ao longo dos anos,
foi escrevendo (não nos diz quando nem onde), dando forma ao que no âmago
sentia.
Fez
bem.
Essoutro,
o seu, é o Natal que muitos de nós preconizamos. Não o de quem demanda voz
amiga que ajude a vencer a mágoa do
percurso (p. 25), mas essa voz viva, qual labareda a crescer ao infinito, com
gestos de amor a surdir em nossas mãos (p. 17).
José d’Encarnação
Publicado no jornal Reconquista (Castelo Branco) nº 3852, 9
de Janeiro de 2020, p. 31.
Lindo, amigo! Nao se esperaria outra coisa. Adorei e so hoje é que vi.Grande e saudoso abraço. M. A.
ResponderEliminarParabéns pelo texto de recensão a Poemas de Natal e pela homenagem, implícita e justíssima, a um Poeta maior, prolífico e amante das tradições: António Salvado. Bem haja José D´Encarnação.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar