A maravilha
Estava
pintada no rosto de todos a alegria por um espaço tão pejado de maravilha estar
doravante aberto à população. O outeiro do Outeiro da Vela, um dos miradouros
mais aliciantes dos arredores da vila de Cascais. A inauguração, com pompa e circunstância,
discursos, plantação de pinheiros e a presença de autarcas e muito povo ocorreu
na manhã de sábado, 8 de Fevereiro.
Mais
um parque para usufruto da população, de toda a população, desde os mais pequeninos
(dois parques infantis) aos jovens (chama-se, à inglesa - tinha que ser! - Mountain Bike, que é como quem diz «montanha
para as bicicletas», desafios radicais, espera aí que eu vou saltar) e aos
‘jovens há mais tempo’, para usar uma expressão cara ao nosso presidente. E,
claro, também para passeio dos canídeos, que muitos deles não hesitaram em
juntar-se à festa e apreciar pelo olfacto toda a novidade dos cheiros bons que
a colina lhes oferecia.
Maravilha,
encanto, que vista, senhores!...
Arranjo topiário mui oportuno, com plantas autóctones... |
Um bem interessante recanto a mostrar a estrutura geológica |
A história
Como
historiador – que se me perdoe a ‘bucha’ – gostaria que se tivesse explicado a
razão do nome, justamente quando se falou do panorama. Certamente todos sabem,
mas não ficará mal de todo aproveitar para dizer que «vela» é o acto de
‘velar’, ‘vigiar’, e dar conta, a propósito, do que o prior de Cascais, Padre
Marçal da Silveira, escreveu, com data de 6 de Abril de 1758, no relatório que
fez para o Marquês de Pombal:
«Em
véspera de S. Bento [10 de Julho], todos os anos, vêm os saloios da Torre
guardar de noite, com cacheiras [mocas], dardos, paus, a ribeira desta vila e
estão nela velando toda a noite. É muito antigo isto; e os rapazes, que são terríveis,
lhes fazem muitas peças, em que há muita seixada e pancadas, às vezes. Um
meirinho que para isso entre si têm elegido os multa, se faltarem, e estas
multas e condenações dos que faltam as comem depois, em uma merenda que fazem.
Foi
origem disto o seguinte:
Antigamente,
ninguém queria morar da parte de cá, à borda do mar nem ainda os lavradores
queriam habitar nesta parte junto ao
mar. E a razão era por medo dos Mouros, que lançavam gente em terra e os cativavam,
como em véspera de S. Bento haviam feito na Ribeira. Vendo o Senhor Donatário
que as terras de junto ao mar se não
cultivavam por este medo e que os lavradores pagavam mal a jugada de 16 alqueires cada um, mandou-lhes que habitassem
as terras junto ao mar e que lhes
tiraria a metade da jugada, que eram
8 alqueires, com condição que
haviam, na véspera de S. Bento, vir a velar a Ribeira, por ser o dia em que os
Mouros tinham vindo a Cascais. Aceitaram a condição
os da Torre, Cobre, Birre e outros […]; porém, os mais que não quiseram, como
os da Biscaia e outros, pagam ainda a pensão dos 16 alqueires e outros têm
diverso contrato, em que vão em outro dia velar a Sintra».
Uma
descrição que não deixa de nos fazer sorrir, mormente quando o prior conta das ‘peças’
da rapaziada. Já nessa altura eram… ‘terríveis’, veja-se só!...
Por
outro lado, acentua-se a importância da Ribeira das Vinhas, cujo leito terminal
seria, nesses tempos, mais largo, propiciando, quiçá, a entrada de barcos.
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais] nº 319,
26-02-2020, p. 6.
Gosto muito deste texto e do local a que tão bem, e com o toque de jornalista, se refere: da concepção paisagística, da possibilidade de fruição por parte de várias faixas etárias. Mas é o historiador que acaba por introduzir uma parte não menos importante: a explicação da origem do nome. Não sabia que os saloios da Torre vinham velar a ribeira de tão farto caudal que permitia entrar barcos(hoje Ribeira das Vinhas) da ordem do Donatário no sentido de que a velassem na véspera de S. Bento, porque ainda tinha na memória o ataque anterior dos mouros que vinham para cativar gente. Exortava a que deixassem o medo e que habitassem essas terras junto da costa, para terem como melhor pagar a jugada (o imposto que lhe interessava, é claro). Muitos quiseram, os da Biscaia não. E ainda, lembrando um relatório de 1758 de Padre Marçal da Silveira, como o produto das multas aos que não queriam velar, era usado para uma farta merenda. Bem haja,José d´Encarnação. Um abraço.
ResponderEliminarNasci há 83 anos ali um pouco abaixo, na borda da ribeira das vinha, na "Casa da Horta de Santa Clara", hoje biblioteca Municipal. Mas a história desta ribeira, destas varzeas, que foram cultivadas pelos saloios deveria ser contada. José d'Encaernaço será que combinamos ums conferência sobre a história da varzea da ribeira das vinhas e dos sescobrimentos etc.. Era giro. O que dizes???
ResponderEliminarE o unknown... é? E também a Horta de -Santa Clara tem que se lhe diga! E muito para contar! Grato pela atenção!
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