Imagino
o dia em que, diante do estirador, o arquitecto paisagista delineou esse recanto,
a pensar em crianças, em velhos, em mães com filho num carrinho e ela a poder
ler ou responder a mensagens… Sim, o arquitecto pensou em gente, que o seu recanto
sem gente não tinha sentido nenhum!...
E
não tem. Que eu nunca lá vi ninguém sentado.
Recordo
o ancião que, passando boa parte do seu dia, todos os dias, sentado num banco
de jardim, a admirar as flores, a ver as arvéloas aos pares de longo rabo
sempre a mexer acima-abaixo, acima-abaixo, a observar a azáfama das abelhas ou
das formigas ou a algazarra das crianças que, de vez em quando, o vinham
saudar, decidiu deixar em testamento boa parte dos seus bens à entidade que ali
superintendia, para manutenção
daquele banco porque o banco o fizera feliz…
«Num
banco de jardim uma velhinha / faz desenhos nas pedrinhas que, afinal, são como
eu» – canta Carlos do Carmo na sua «Balada para uma velhinha».
Sim,
a ideia geral é essa: o banco de jardim é para os velhinhos; por vezes, para os
namorados… Mas, quando o arquitecto, diante do estirador, desenhou aquele
recanto ora feito realidade, não foi só nas velhinhas que ele pensou, foi na
gente, foi nas pessoas… As pessoas, porém, não têm tempo para ali se sentarem,
nem ao domingo, nem ao sábado, nunca!...
Assaltou-me
a ideia do recanto triste e desabitado do meu bairro. E dei comigo a penitenciar-me
também: «Não tens uma mesa de verga e duas cadeiras de verga na tua varanda, amigo?
E para que as queres lá? Quando as compraste, não foi para nelas te sentares,
para usufruíres de momentos de relaxamento no desenfreado correr quotidiano?
Não foi? Para conversares com tua mulher, com os teus filhos. Para o gato
saltar para o teu colo e te deixares levar pelo seu ronronar sereno? Não foi?...
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 770, 01-02-2020, p. 11
Carissimo amigo Zé
ResponderEliminarGostei do teu texto, mas onde fico este recanto?
um abraço amigo
Paulo Pimenta
O que projectamos e o que acontece no futuro nem sempre coincide - aceitemos e usemos a experiência para as novas realizações.
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarMas que texto tão bonito. E o recanto é propício a uma conversa entre dois casais, ou entre três a quatro pessoas conhecidas. Agora tenho uma vontade enorme de procurar o cantinho e sentar-me num dos bancos uma hora, para honrar quem um dia o concebeu, e para mostrar ao autor deste belo e oportuno texto como a sua prosa nos comove. Beijinho
ResponderEliminarOnde fica?
ResponderEliminarSerá por ninguém o divulgar e por ser em local de pouca passagem?
Abraço
Fica na Rua Garcia de Resende, no Bairro da Pampilheira. Não é lugar de passagem, de facto, e também por isso que é acolhedor. Contudo, outros espaços deste género há por esta Cascais, que até são lugares de relativa passagem e que não são aproveitados. Cito um outro que também já foi alvo de uma crónica minha: fica na Av. Adelino Amaro da Costa, entre o quartel dos Bombeiros e o quartel da PSP, do lado poente. Tem bancos, tem cuidado jardim, fica junto à estrada mas é recatado e eu pergunto se alguém já lá viu alguém sentado. Se calhar, vão responder-me que... é de passagem! Os bancos que existem num centro comercial não são de passagem? E, apesar disso, há muita gente a sentar-se lá. O panorama é bem diferente, eu sei: no centro comercial, são as pessoas; num jardim, é a Natureza, os sons...
EliminarDe: Eugénio Sequeira
ResponderEliminarquarta-feira, 5 de Fevereiro de 2020 10:28
Um recanto encantador, mas que já não encanta estes desencantados todos que só pensam nas notas e nos lucros. Perdemos as bases da nossa civilização, a ética e a conservação do bom e do bonito (coisas que foram a base da civilização, quer da Judaica, quer da cristã, quer da muçulmana, ou islâmica, quer da budista, quer da animista). Tudo esquecido para se pensar apenas no bom imediato, esquecendo o bem dos outros, o belo e pior o futuro, e os nossos descendentes.
Um grande abraço pois gostei muito
Eugénio