Religião, relação íntima do Homem com o Divino, constitui
domínio de difícil penetração. Haverá construções destinadas ao culto;
esculturas a representar divindades; objectos rituais… São, todavia, escassas
epígrafes o documento primordial para se saber de divindades veneradas;
limitado é, pois, o que se conhece do panteão romano em Terras de Sicó.
Muitas epígrafes poderão vir a encontrar-se, por
exemplo, nas paredes das casas de Condeixa-a-Velha. É que são árulas, de
contexto privado, o que se tem – e é, de facto, um conjunto singular!
Faltam-nos, porém, os textos oficiais, exarados, verosimilmente, em monumentos
maiores que na muralha e nas paredes das casas da aldeia tiveram, seguramente,
utilização privilegiada, esquecidos os homens do significado dos estranhos
dizeres!
Notável, porém, esse conjunto de
pequenos altares domésticos, em que, a par do deus maior, Júpiter Óptimo
Máximo, se homenageiam divindades que mais se prendem com devoções
particulares: Minerva, os Lares sob diversas invocações, Liber Pater, Aqua (!)… E até as dedicatórias ao Génio de Conimbriga e à cidade em si (considerada como algo de sagrado,
porque tem Lares a protegê-la), parecem ter resultado mais de um acto pessoal
sem envolvimento de hierarquias.
Júpiter Conimbricense? |
Temos, todavia, uns Lares das Águas (Lares Aquites), estranha designação que
acentua esse carácter autóctone que as divindades depressa por Terras de Sicó
assumiram e reivindicaram. E davam-se-lhes graças por, vinda de Alcabideque,
água, de facto, não faltava! Aliás, decerto também devido a esse acentuado
localismo, um dos pequenos grupos étnicos, os atrás citados Lubancos, quis ter
Lares próprios…
Lugar à parte pode merecer uma
dessas árulas mais mimosas, a que já aqui nos referimnos: a que Valério Dafino,
porventura um liberto, dedica Libero
Patri, «o Pai Líber», deus itálico da fecundidade, assimilado a Baco. A
expressão Liber Pater, além de
parecer mais ‘familiar’, abarca um significado maior: a fecundidade, entendida
não apenas no sentido próprio de perpetuação da família através de novas e
saudáveis gerações, mas também numa acepção mais ampla, a da prosperidade:
próspero é o que vence obstáculos, aumenta o seu prestígio, goza o seu
bem-estar… Que melhor bênção haveria de querer Valério Dafino?!
Ocultas (por enquanto, creio) a
nossos olhos as solenes dedicatórias maiores, apetece-nos, pois, ficar assim
aconchegados a númenes protectores, muito nossos, desprovidos de galas
sumptuárias!... Por Terras de Sicó!
José d’Encarnação
Belo texto sobre uma matéria que me fascina. Para dizer a verdade, estava mesmo a precisar de uns deuses familiares para protecção deste lar (o meu)...Mas não seria menos aliciante comprar uma velha casa ali por Condeixa-a-Velha e encontrar uma epígrafe daquelas que merecessem notícia (privada). Acho que, acompanhando a leitura do belo AS PEDRAS QUE FALAM, de José d´Encarnação e tendo relido mil vezes A Cidade Antiga de Fustel de Coulanges, voltarei a visitar esta bela crónica, pelo prazer que me dá e pela informação que recolho. Muito grata.
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