Não haverá português algum – ou até ser humano mais ou menos culto – que não
tenha ousado, um dia, fazer versos, alinhar umas rimas, a pretexto de um
baptizado, de um namoro, de um convívio de amigos ou mesmo de chalaça em
relação a alguém que, no grupo, por qualquer motivo se haja distinguido.
Pois,
ao remexer nos meus papéis, deparei com um caderno de folhas soltas, de papel
pardo. 16 tinham cada uma um poema; a última era a ficha técnica, onde se fica
a saber que – sob o título «Não há como beber uma golada para a frase ficar
mais inspirada» – a Adega Cooperativa de Mangualde promovera, em 1992, um
concurso de poesias alusivas ao vinho. José Costa e Virgílio Loureiro
seleccionaram e organizaram a antologia, José Tavares ilustrou e a Vinidão
editou, em Outubro de 1993, 1500 exemplares.
Diz-se
na badana que, com este caderno, a Associação dos Vitivinicultores
Engarrafadores da Região Demarcada do Dão – VINIDÃO pretendia «iniciar uma
homenagem aos poetas populares deste País, cuja sensibilidade está
profundamente marcada, há séculos, pela nobreza de um produto de eleição como é
o vinho».
A
iniciativa não terá tido seguimento; mas ficou este testemunho da inspiração de
poetas de Viseu, Nelas, Mangualde, sempre em louvor do precioso néctar e das
terras que o produzem: «Até no céu os Santinhos / disso tenho
convicção! / Tomariam os seus copinhos / Se lá houvesse vinho “Dão” – proclama
José Lopes, sem hesitar.
E
se as recomendações para que se beba com moderação não faltam, José Amaral
também não hesita em explicar algo que poucos de nós saberão:
De
Vilar Seco saiu
Um homem com um papel
Levava lá escrito
A qualidade do
moscatel.
Em
Palmela se instalou
José Maria da Fonseca
No papel levava escrito
A
qualidade da cepa.
Com
adequadas ilustrações, é um caderno de que porventura se terão perdido quase
todos os exemplares, pois ando há longos meses à procura de um, que o meu
ofereci-o à biblioteca de um museu, onde também o não encontram.
Aqui
fica a recordação, na esperança de que se salvaguarde algum exemplar e para ser
de inspiração a quem queira lançar mão a idêntica iniciativa. Em prol do vinho
ou doutro dos nossos produtos. Mas sempre em prol da Poesia!
José d’Encarnação
Nota
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 810, 15-11-2021, p. 12.
Recupera o que se publicara no jornal digital Cyberjornal,
ora extinto, e que se transcrevera neste blogue a 13 de Junho de 2017. O facto
de – ao que parece – se não encontrarem exemplares levou-me a fazer nova
publicação, agora em Mangualde, a ver se algo se guardou da inovadora iniciativa.
É bom saber desta interessante iniciativa. Menos bom é fazer-se oferta de um exemplar à biblioteca de um museu, e lá ninguém fazer ideia onde ele (exemplar) se encontra. Como não admitir que era um feito notável que no século III a. C. todo o documento chegado à Biblioteca de Alexandria lá fosse copiado, codificado e arquivado? Mas voltando à iniciativa tão inspiradora, o vinho e poesia sempre se deram muito bem...
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