Por mais que se
escreva e comente, sempre algo haverá por dizer e sublinhar.
Ana
Maria Teixeira Freitas – Ana T. Freitas, de seu nome literário – nasceu em 1956
no Pinhão, ali mas margens do Douro, aquela que tem azulejos lindos na estação
ferroviária. Licenciou-se em Filologia Germânica na Faculdade de Letras de
Lisboa e andou por mui variadas partes, a colher sabedoria e ciência, que, como
docente, difundiu pelos seus alunos.
Um
dia, adregou enveredar pelas lides poéticas, se é que por essas veredas nunca deixou
de caminhar. Mentora foi – e é, agora na esperança de melhores dias – da iniciativa
«Um Poema na Vila», pela qual soube guindar Coruche a lugar cimeiro na defesa
da expressão poética nacional.
Por
mais que se escreva e comente, sempre algo haverá por dizer e sublinhar –
repito. Porque ando há muito para dizer quanto me agradou o livro Alfobres
de Rios (Modocromia Edições, Lda., Lisboa, Maio de 2020). E hesito, porque,
de cada vez que abro esta recolha de poemas que Ana T. Freitas foi semeando em
sessões várias ao longo dos últimos tempos (presença assídua nas «Noites com
Poemas» organizadas em Cascais por Jorge Castro), eu encontro novidades susceptíveis
de comentário, reflexão, encómio.
É
o poeta um comentador: vive, pensa, observa, relaciona ideias. E escreve. As palavras
surgem-lhe desalinhadas, por vezes há espaços em branco, pontuação nenhuma, uma
página com cinco linhas minúsculas, outras com uma catrefada delas… Vá lá a
gente entender! Mas, vendo melhor, entende-se: é que precisamos de parar neste
caminho da vida, em que – para o Poeta – a escrita está presente.
Gosto
do título: alfobre, «canteiro entre dois regos por onde passa a água».
Reminiscência de cantares árabes. Manancial que fertiliza, como a poesia nos fertiliza
a vida. E o poeta a contar-nos o inusitado pormenor não despiciendo. Tocou-me,
há anos, um poema de José Gomes Ferreira, tocado (ele!) pela borboleta que vira
caída no passeio: «Borboleta verde, aqui não há flores!». Assim, Ana T. Freitas.
A obrigar-nos a um outro olhar.
Na
epígrafe, escreveu: «rios que derramam / alguns chegam à foz / muitos ficam em
nós». No último poema, do talhão V em que dividiu o seu jardim, conta que nos
seus alfobres semeou «rios regados de ternura, adubados de horizontes,
alagados, robustos». E sobre eles quer construir «pontes que derrubam muros do
futuro». Desculpa-me, Ana, se não copiei bem e pus as frases seguidinhas. Sei que
não deveria, perdoa-me. Contudo, dir-te-ei que, se agarrei no princípio e no
fim do teu livro, foi porque todo o recheio é bom de mais e não tenho palavras para
o pintar. Escreveste em Novembro de 2015 o teu desejo para todos os meses do
ano: Sol, Esperança, Flor… Achavas que, assim, «A Vida acordaria dos destroços
da guerra; das casas saudosas, vazias de homens; dos lares inquietos pelos filhos
que partiram; das casas angustiadas, sedentas de trabalho, dos lares tristes à míngua
de pão». E assim – auguraste – «um sorriso rasgado sairia bem do fundo do nosso
coração e um Natal de mão em mão».
Sabes
porque me calou fundo este bom augúrio; sabes, porque sentimos na carne a tua descrição,
hoje muito mais vívida do que nesse (longínquo?) Novembro de 2015.
Tenho
à cabeceira «Alfobres de Rios». Agradeço-te. Vou relê-lo a espaços. Abrindo-o
ora aqui, ora noutra página. Na certeza de que muito tenho de aprender!
José d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 27-04-2022: https://duaslinhas.pt/2022/04/alfobres-de-rios-um-livro-de-ana-t-freitas/
Quanta gratidão por o meu livro ter sido objecto da sua douta análise, Caríssimo Professor! Muito obrigada.
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