A aspiração
já vinha de longa data! O espólio artístico e documental reunido na casa do que
é uma instituição secular (a Santa Casa da Misericórdia de Cascais foi fundada
em 1551) carecia de ser mostrado não apenas aos cascalenses mas a quem nos
visitar. O desiderato cumpriu-se!
Inaugurou-se,
na tarde de domingo, 10 de Abril, no Largo da Misericórdia, em Cascais, o Museu
da Misericórdia.
Estiveram
presentes as entidades habituais, da instituição e do Município, na medida em
que a concretização da iniciativa se ficou também a dever ao incondicional
apoio municipal. Notada a presença de José Luís Judas, ex-presidente da Câmara,
que assim quis mostrar o apreço que sempre teve pela Santa Casa durante o seu
mandato. Dir-se-á que as instalações foram pequenas para conter tanta gente.
Após o
descerramento da placa alusiva ao acto, houve demorada visita às salas das
exposições, começando pela capela de S. André, actual sacristia da igreja, sede
inicial da Santa Casa, sentindo-se em todos os presentes a admiração e o
regozijo pelas evidentes melhorias realizadas e por todo o espólio que lhes era
dado observar.
Os
visitantes foram depois convidados a reunirem-se no pátio interior, também ele
mui remodelado e dotado de uma espécie de claustro à moda antiga. Foram recebidos
pelos cânticos do grupo coral Arte Nova. Coube ao Reverendo Padre Nuno, prior
de Cascais, a função de cumprir o ritual católico da bênção das instalações, no
convite a todos para nele participarem através da oração.
A Provedora, Dra. Isabel Miguens,
historiou as vicissitudes por que passara o projecto, congratulou-se com a
forma como se lograra chegar a bom termo e agradeceu a todos os intervenientes
no processo. O Dr. Carlos Carreiras, presidente do Município, manifestou também
o seu agrado por, no prazo previsto, se terem concluído as obras, cujo
resultado (confirmou) muito lhe agradava, de todos os pontos de vista.
Um espólio notável
A exposição «Um Olhar sobre
Cascais através do Seu Património», levada a cabo no último trimestre de 1989
pela Associação Cultural de Cascais em colaboração com a Câmara Municipal, já
ateara o primeiro rastilho, ao escolher para um dos seus núcleos – o das Fontes Documentais e Arte Sacra – a
Sala do Despacho da Misericórdia, e dele se fez eco na publicação do II volume
do catálogo, onde, além de circunstanciado roteiro, se inseriu notável artigo
do Prof. Vítor Serrão sobre a pintura quinhentista no concelho e um outro, da autoria
do conceituado José Meco sobre a azulejaria com temática ou utilização
religiosa patente no concelho. Mostrou-se então, pela primeira vez, de forma
organizada, o que a Misericórdia albergava; e recorde-se, por exemplo, que os
trabalhos preparatórios possibilitaram a recuperação de uma singular carranca
de proa de navio que foi mostrada e que hoje integra o recheio do Museu do Mar.
Concomitantemente se pensava na
necessidade de levar a cabo obras de conservação e restauro na igreja (a porta
principal foi restaurada por benemerência dum dos Irmãos da Santa Casa), sendo
sonho de alguns a construção da segunda torre que fazia parte do projecto
inicial e nunca fora concluída. As imagens divulgadas nas redes sociais pela
Câmara – que fez questão de chamar a si os louros da renovação – mostraram
desde cedo que se dera a cada uma um toque contemporâneo, porventura para que
se não esquecesse ter sido obra de agora e não de antanho.
Não menos importante, porém, é o
espólio artístico e documental, atendendo, inclusive, ao facto de ter sido a
Misericórdia – queira-se ou não – a herdeira de boa parte do que se salvou da
Igreja Paroquial da Ressurreição, localizada não muito longe, onde hoje está o largo
da estação, templo que o terramoto de 1755 destruiu quase por completo e não
chegou a ser reconstituído. Já aqui houve ocasião de recordar, por exemplo, na
edição de 27 de Fevereiro de 2021, sob o título «Os santos rejuvenesceram!», a
mui louvável obra de restauro levada a efeito na estatuária. E a partir de
agora ela pode ser apreciada.
Nas páginas que tanto a Câmara
como a Misericórdia detêm nas redes sociais se poderão ver imagens tanto da
cerimónia como do recheio museológico em exposição. Logo se dará conta da
equipa que levou a bom termo o empreendimento; por agora, alguns dos aspectos
que se nos afiguram dignos de realce, sem se esquecer e louvar a bem adequada
apresentação museológica:
– a descoberta de um retábulo
pintado, com a vista de uma cidade muralhada (Jerusalém?), que desde finais do
século XVIII (pensa-se) estivera oculto;
– a placa onde se anotava o nome
do irmão que mensalmente devia encarregar-se expressamente da administração da
Santa Casa;
– o sudário, pano com a
representação da face de Cristo, que, na altura da procissão dos Passos (de
grande tradição em Cascais), a Verónica mostrava, cantando a sua dor;
– os preciosos panos de altar que
lograram conservar-se da igreja da Ressurreição.
Alfaias litúrgicas, esculturas e pinturas antigas integram, como não podia deixar de ser, um percurso museológico de grande riqueza e significado, que fará seguramente as delícias de todos os visitantes.
José d’Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 12-04-2022: https://duaslinhas.pt/2022/04/o-museu-da-misericordia-de-cascais-concretizacao-duma-aspiracao-antiga/
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