Está patente na
galeria do Casino Estoril, desde sábado, dia 23, e até 23 de Maio, a
exposição da artista romena e portuguesa Daniela Anghel. Retratando nas suas
telas a realidade que está para além do real, a jovem Daniela Anghel não deixa
de nos surpreender.
Um
currículo de excelência
Ao lermos o currículo
da artista, uma nota sobressai de imediato: a enorme capacidade de trabalho e o
entusiasmo fora de série de que ele dá provas sobejas.
Daniela Anghel nasceu
em 1979, na cidade romena de Alexandria. Com seu pai, diplomata de carreira,
acabou por estar em várias partes do mundo, mas foi Portugal que mais a
seduziu, tendo-se licenciado em Artes Plásticas – Pintura na Faculdade de Belas
Artes da Universidade de Lisboa. Obteve a nacionalidade portuguesa.
Expôs pela primeira
vez, individualmente, no Casino Estoril em 2004 («A Tentação da Imagem»), mas
terá sido, a meu ver, a exposição do ano seguinte, «Mulheres de Portugal», que
a tornou mais conhecida, pelo universo de sensações que de cada um desses
retratos em grande formato se desprendia.
É que, de facto, se,
a uma primeira vista, se proclama, ainda que com admiração, «Que desenho bem
conseguido, perfeito!», o certo é que, observando melhor, se torna necessário
atentar nos pormenores – e muitos são! – para se descortinar quanto de íntimo e
importante a Artista quis transmitir.
Não causará, pois,
estranheza que, por exemplo, em colaboração com a União das Misericórdias
Portuguesas, haja sido contratada para fazer, de 2008 a 2011, a decoração da
Capela Padre Vítor Melícias, na Sede da União, aí mostrando as 14 Obras de
Misericórdia: as 7 corporais e as 7 espirituais.
Três
quadros
Veja-se com atenção o
quadro «Sede». Crianças negras aguardam que alguém lhes venha encher de água os
jerricãs postados na sua frente. Aguardam. O céu, por trás, é dum azul
doloroso. A emoldurar esse motivo, qual grinalda, há flores, sim, mas quantas
outras imagens mais! Todo o mundo, afinal, para ali foi convocado! Todos
precisam de olhar para aqueles rostos, para aquela cena, para aquela… sede!
E que dizer do quadro «Devir de S. João Baptista», um dos quadros da sua série africana? Acrílico e óleo sobre tela de 2,215 x 3,12 metros! A multidão de negros frente à fortaleza apalaçada; à direita, frágeis embarcações em mar revolto; por entre a turba, uma figura de santa, um prato de ostras pronto a saborear, uma bandeira, uma onça olha ameaçadora para quem, perto dela, se cobre com a pele de eventual parente seu…
E mesmo da tela «As
Três Graças», acrílico e óleo sobre tela, de 247 x 205cm, transparece,
sorrateira, uma crítica velada, ao personificar nessas três figuras mitológicas
uma dama da corte, uma senhora aparentemente normal e, a meio, em destaque, uma
negra, envergando os trajes tradicionais…
Daniela Anghel chamou
à sua exposição «Desfiguração da utopia» e quis ser ela própria a redigir a
abertura do catálogo, onde, a dado passo, escreve:
«As pinturas
contemplam o desequilíbrio do próprio sistema social, o crescimento incerto das
limitações e das exclusões sociais; como também as ilusões perdidas de todos
nós, numa determinada altura perante a realidade. As quimeras espalhadas não
são representadas em pintura como retrato das cicatrizes das lutas perdidas,
mas, sim, como metamorfoses capazes de instaurar uma nova ordem».
E por essa mensagem nos ficamos.
José d'Encarnação
Publicado em Duas Linhas, 20 de Abril de 2022: https://duaslinhas.pt/2022/04/daniela-anghel-uma-artista/
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